Chadwick Boseman. O nascimento de um ícone

O ator norte-americano que deu vida ao rei T’Challa em Black Panther, tornando-se no primeiro super-herói negro do Universo da Marvel, morreu aos 43 anos. Agora, os habitantes de Anderson, na Carolina do Sul, onde nasceu, querem ver uma estátua sua no lugar de um memorial da Confederação.

Foi a partir de Wakanda, o reino ficcional que serve de pano de fundo a Black Panther (Pantera Negra, 2018) que Chadwick Boseman se tornou num símbolo. Naquele que foi o primeiro filme da Marvel em que o super-herói era um homem negro, Chadwick tornou-se um símbolo para milhões de crianças negras que, pela primeira vez, puderam encontrar a representatividade da sua cor de pele numa personagem do género. O filme rompia outros paradigmas: é que em vez de colocar os EUA como os salvadores do mundo perante um cataclismo iminente, coube a essa civilização imaginada de Wakanda, retratada como um lugar perdido no terceiro mundo, o papel de evitar um desaire. Todo o elenco e produção do filme eram formados por negros, e mesmo nessa altura o ator que seria o coração do projeto e que já sofria de cancro não partilhou com os colegas os desafios extra que enfrentava. «Só quando a família lançou o comunicado é que percebi que viveu com a doença durante todo o tempo em que eu o conheci (…) Ele protegeu quem trabalhava com ele do seu sofrimento, isto porque era um cuidador, um líder, um homem de fé, dignidade e orgulho», afirmou o realizador Ryan Coogler após a partida do ator. Boseman morreu na passada sexta-feira, aos 43 anos, em Los _Angeles, depois de uma longa luta contra um cancro do cólon, diagnosticado há quatro anos e que o obrigou a conciliar alguns dos mais importantes projetos cinematográficos da sua carreira – entre os quais Marshall – Igualdade e Justiça, Da 5 Bloods – Irmãos de Armas, Ma Rainey’s Black Bottom de August Wilson – com os tratamentos. «O Chadwick foi diagnosticado com cancro do cólon em estádio III em 2016 e lutou com ele durante quatro anos, à medida que progrediu para uma fase terminal», dizia a nota publicada no sábado pelos seus representantes no Twitter. A_curta mensagem quebrou recordes, tornando-se num dos tweets com mais interações de sempre na rede social.

E se o ator optou pela privacidade e manteve a doença oculta até ao fim, é agora difícil não olhar para o que tinha partilhado com os fãs até agora com outros olhos. Durante as sessões de promoção de Black Panther, numa conferência, não conseguiu esconder as lágrimas quando revelou a história de dois miúdos, fãs do filme e doentes oncológicos, cujo desejo era ver a película antes de morrerem. «Eles e os pais diziam-me que estavam a tentar aguentar até que o filme fosse lançado», partilhou, contando que nenhum dos dois tinha conseguido realizar esse desejo. Nessa altura, o ator já conhecia bem os meandros e as manhas da doença que ele próprio enfrentava.

A morte precoce do artista deixou um rasto de comoção. «Como é que se honra um rei?», questionava a também atriz Danai Guirra na homenagem que deixou ao colega. «Faltam-me as palavras. Nada parece fazer sentido. Fiquei sempre encantada com o quão especial o Chadwick era. Uma pessoa com um coração tão puro, profundamente generosa e divertida», recordou. No domingo, a ABC organizou um programa especial em memória do ator ao qual chamaram ‘Tributo para um Rei’ reuniu uma série de estrelas que recordaram o ator, entre as quais Elizabeth Olsen, Robert Downey Jr., Mark Ruffalo ou Oprah Winfrey, que reconheceu o enorme talento de Boseman e a sua «alma gentil», valores igualmente referidos por Scarlett Johansson .

Também a candidata democrata à vice-Presidência norte-americana, Kamala Harris, deixou uma nota de pesar pela partida do ator, recordando que ainda há pouco tempo Boseman tinha celebrado a sua nomeação para a corrida nas presidenciais e apelado aos seus seguidores para votarem.

Do grande ecrã a estátua?

Nascido a 29 de novembro de 1976 em Anderson, na Carolina do Sul, filho de afro-americanos – a mãe era enfermeira e o pai mantinha um negócio como estofador – Boseman formou-se na Universidade Howard, em Washington, em Artes Plásticas. Já nessa altura procurava pisar os palcos o mais possível e, para lá da atuação, gostava de escrever peças e argumentos. Na faculdade arranjou forma de rumar a Londres para participar no conceituado Oxford Mid-Summer Program da British American Drama Academy e, de volta aos EUA, foi viver para Brooklyn no início da sua carreira. Nessa altura, chegou a dar aulas a jovens no Schomburg Junior Scholars Program, um projeto no Harlem destinado à investigação sobre a cultura negra. Mudou-se para Los Angeles em 2008 e, a partir daí, a sua carreira disparou e, para lá de outras produções de Hollywood, entrou em blockbusters como Deuses do Egito (2016) ou Avengers: Infinity War (2018) e Avengers: Endgame (2019).

Numa altura em que as questões raciais voltam a estar na ordem do dia nos EUA – terão, alguma vez, saído da agenda? – o legado que deixou poderá vir a ter outro tipo de implicações. No cinema, para lá do seu papel em Black Panther, Boseman deu vida à história de afro-americanos como James Brown (em Get on Up, realizado por Tate Taylor em 2014), Jackie Robinson e Thurgood Marshall. Por tal, e pela ligação e contribuições que deu à cidade de Anderson, correm agora duas petições que já recolheram milhares de assinaturas para que seja colocada uma estátua do ator da cidade. E não num sítio qualquer: no lugar onde, atualmente, se ergue o memorial da Confederação, um monumento que homenageia os soldados que, em linhas muito simplistas, lutaram pela manutenção da escravatura durante a Guerra Civil . «A comunidade deve unir-se para honrar alguém que de Anderson, na Carolina do Sul, foi capaz de mudar a indústria cinematográfica. Ele abriu as portas a muitos jovens negros com os seus papéis principais em filmes como Black Panther ou Marshall. É apenas natural que a sua cidade natal homenageie o que ele fez. Não é necessário haver controvérsia política nesta decisão», diz o texto de uma das petições.