Ativismo e cidadania…

Os deputados poderiam estar mais apreensivos com o alastramento da covid-19 nos lares de idosos. Mas não. A atração pela bandeira do ‘arco íris’ foi mais forte…

Desde que em agosto de 2017 a atual ministra da Cultura, muito próxima do primeiro ministro, achou oportuno assumir a sua homossexualidade, numa entrevista de fundo ao DN – sendo a primeira mulher na politica a fazê-lo –, as questões de ‘identidade de género’ ou de sexo ganharam um novo fôlego e não voltaram a sair da agenda mediática.

Não admira, por isso, que o Diário da República tenha publicado, em julho, uma insólita resolução da Assembleia, com a chancela de Ferro Rodrigues, que passou injustamente despercebida, e na qual se recomendava ao governo «o apoio às associações e coletivos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgéneros e intersexuais no âmbito da crise epidémica», e que «garanta o financiamento» daquelas estruturas, «enquanto se manifestarem os efeitos da crise sanitária, social e económica».

A leitura desta resolução, animada pelo Bloco de Esquerda, é muito instrutiva sobre os seus fundamentos e inquietudes, aprovada em plenário pelas esquerdas, à beira das férias, mais ou menos à sorrelfa, quase no fecho dos trabalhos parlamentares, com as abstenções pudicas do PSD e da Iniciativa Liberal e apenas os votos contra do CDS-PP e do Chega.

Os deputados poderiam estar apreensivos com o alastramento da covid-19 nos lares de idosos, exigindo maior proteção, ou com o destino de pessoas em risco, desde doentes oncológicos a outros com patologias crónicas, por natureza mais expostos à pandemia. Mas não. A atração pela bandeira politicamente correta do ‘arco íris’ foi mais forte…

Pela mesma altura, dois alunos de quadro de honra, em Famalicão, viram-se chumbados e forçados pelo Ministério da Educação a retroceder dois anos letivos, por não terem frequentado a disciplina (obrigatória!…) de Cidadania e Desenvolvimento, que começou a ser lecionada em 2018/19, não obstante os pais terem alegado objeção de consciência para os filhos não participarem nessas aulas.

O despacho do governante que legitimou esta barbaridade é em si mesmo outra barbaridade, num Ministério que tem aliviado as escolas de exames, facilitando a passagem sem retenção, a benefício da estatística.

Estes dois factos, coincidentes no tempo, são mais conexos do que parecem, indiciando uma escalada ideológica, zelosamente cultivada pelas esquerdas, que ganhou notoriedade no espaço mediático, onde o género é tratado como uma ‘construção social’.

Neste contexto, o Estado imiscui-se cada vez mais na vida dos cidadãos, favorecendo minorias como se fossem eternas vítimas, marginalizando competências de pais e educadores.

Ou seja, nuns casos, o Estado quer substituir-se à família, e noutros, propõe-se hierarquizar o individuo na cidadania, consoante o comportamento for obediente ou rebelde.

Na China já existe um ‘ranking social’ pelo qual é feita a avaliação do cidadão, a partir dos seus dados pessoais, registados nas aplicações móveis, cabendo a essa pontuação determinar o acesso ao emprego, o lugar num transporte público ou, até, a descoberta de um parceiro sexual.

Trata-se do chamado Sistema de Crédito Social, que, como revelava o Expresso há um ano, constitui «um mecanismo de pontuação dos cidadãos, que ora os recompensa ora os penaliza em função de comportamentos».

Longe de ser uma ficção, esta intrusão é um facto, com o auxílio de sofisticada tecnologia de reconhecimento facial, que fascina qualquer ditador encartado ou candidato a sê-lo.

Por cá, não faltam já as câmaras de vigilância, colocadas na via pública ou no interior de edifícios, embora sem as ‘aptidões’ aplicadas por Pequim.

O certo é que o Estado se arroga o direito de impor regras, como na disciplina de Cidadania e o Desenvolvimento, cujo currículo não esconde ao que vem. Basta ler.

Não surpreende, por isso, a indignação do pai das crianças de Famalicão, que teve a coragem de denunciar o procedimento do Ministério da Educação, nem o manifesto contra a obrigatoriedade da nova disciplina, assinado por diferentes personalidades, algumas poucos habituais neste tipo de documentos, designadamente, Cavaco Silva, Passos Coelho, António Barreto ou D. Manuel Clemente.

Não tardou, porém, o contra manifesto, encabeçado por Ana Gomes, onde se rejeita a possibilidade de invocar a objeção de consciência (dos pais) para que os alunos do 2.º e 3.º ciclos não frequentem a disciplina.

Esta polémica tem antecedentes, por interposta disciplina de Religião e Moral, contestada tanto pelos bloquistas, como pelo Livre, que a desejam fora do programa escolar.

O caso de Famalicão, vale, assim, pelo seu simbolismo. É um grito de alma. A fronteira que separa os dois manifestos tem, afinal, essa raiz. Invoca-se a laicidade do Estado, com a ‘zaragatoa ideológica’ escondida …