Um regresso à escola com muitas incógnitas

Os alunos regressam às aulas esta semana, mas os professores que pertencem a grupos de risco ainda não sabem como será o seu futuro. João Costa disse que têm de pedir baixa médica, mas médicos alertam que, neste caso, são ‘falsas baixas médicas’.

Há várias semanas que sindicatos, escolas e professores têm alertado para a falta de orientações para os docentes que pertencem a grupos de risco. As aulas começam na próxima segunda-feira e, esta quinta-feira, o secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, avançou que os professores que fazem parte dos grupos de risco não podem trabalhar a partir de casa, devendo pedir uma baixa médica. «Se a minha função é compatível com trabalho não presencial, então eu posso desenvolvê-la, se a minha função é incompatível, então eu tenho de colocar baixa médica», disse João Costa.

Depois destas declarações, durante um debate promovido pelo Público, o Sindicato Independente dos Médicos exigiu à tutela a retificação da informação, uma vez que «pertencer a um grupo de risco não é condição para emissão de Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, vulgarmente conhecido como baixa médica». Aos trabalhadores que não possam desempenhar as suas funções a partir de casa e pertençam a grupos de risco, deve ser emitida uma declaração médica para justificar a falta ao trabalho. O sindicato já pediu esclarecimentos, «sob pena de os médicos serem coagidos a emitirem falsas baixas médicas».

Para a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), esta situação é preocupante, sobretudo porque os professores estão a receber informações contraditórias. A Direção-geral da Administração Escolar «dá a entender que haverá um tratamento adequado de quem integra grupo de risco, com a criação de um módulo para apuramento do seu número e substituição desses docentes», refere a Fenprof. Por outro lado, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares «tem informado as escolas de que os docentes deverão apresentar atestado médico». A Fenprof acusa o Ministério da Educação de tratar os professores de forma diferente, obrigando pessoas que pertencem a grupos de risco a ir para as escolas. E vai ainda buscar as orientações da Direção-geral da Saúde (DGS) sobre o contacto das crianças com os avós. «Não se recomenda que as crianças estejam com os avós por serem considerados um grupo vulnerável», refere a DGS. O sindicato diz que «nas escolas, uma significativa percentagem de professores tem a idade dos avós dos alunos e muitos são mesmo avós».

 

‘Impossível’ reduzir o contacto para um terço nas escolas

O ano letivo começa já na próxima segunda-feira, mas a adaptação das escolas tem vindo a ser feita ao longo das últimas semanas. Os percursos de entrada são diferentes dos percursos de saída, as turmas terão aulas sempre na mesma sala, para evitar o cruzamento de alunos e utilização dos espaços por muitas pessoas, as aulas vão começar mais cedo, cerca de meia hora e terminar mais tarde, também para evitar o cruzamento entre os alunos, já que em alguns anos é possível ter turnos – ou têm aulas de manhã, ou à tarde. Além da desinfeção e do uso obrigatório de máscara dentro dos espaços escolares, incluindo as salas de aula.

Ainda assim, as turmas não serão reduzidas, mantendo em alguns casos o número superior a 20 alunos, já que para isso seriam necessárias mais salas, mais professores e mais funcionários nas escolas portuguesas.

A propósito do novo ano letivo, durante a reunião que marcou o regresso dos encontros entre peritos e decisores políticos, na Faculdade de Medicina do Porto, foi apresentado um modelo matemático que defende que a redução dos contactos entre os jovens a um terço é a única forma de evitar com segurança uma segunda onda, caso os contactos na sociedade se mantenham reduzidos a metade. O epidemiologista e investigador Manuel Carmo Gomes apresentou o modelo, sublinhando que o regime de ensino misto – entre presencial e à distância – deveria ser considerado.

A redução dos contactos entre os alunos a um terço é, no entanto, difícil de garantir, segundo Filinto Lima, presidente da Associação Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas. Para que esse cenário fosse possível, o ensino não poderia ser presencial, tal como foi determinado pela tutela. E mais: «O número de professores tinha de ser o triplo, e isso é impossível. O número de salas tinha de ser três vezes mais, o que também é impossível», afirmou esta semana ao jornal i. «As escolas estão sobrelotadas e não há assim tantos professores. Pelo contrário, até nos temos queixado frequentemente da falta de professores», acrescentou.

A possibilidade de ensino misto está contemplada nas orientações do Ministério da Educação enviadas às escolas. A regra é que todos os alunos comecem em regime presencial, sendo depois avaliado caso a caso. «Só acontece uma mudança quando a autoridade de saúde local propuser à DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) regional a passagem para regime misto», explicou Filinto Lima.

Encerrar escolas não é o objetivo do Governo, sendo essa decisão apenas tomada «em situações muito extraordinárias», disse esta sexta-feira a ministra da Saúde, Marta Temido, durante a conferência habitual de divulgação do boletim epidemiológico. «A intenção é que o encerramento na totalidade de uma escola seja uma exceção. Há mecanismos que vão ser adotados e estão previstos para que essa escola possa ser encerrada», disse a ministra, acrescentando que «um caso numa escola, ou quatro, que vivam mais ou menos isolados, não tem o mesmo significado que três ou quatro casos que comuniquem muito com outras pessoas, que passem de sala para sala». Já em relação à fiscalização dos comportamentos dos jovens junto dos estabelecimentos de ensino, Marta Temido sublinhou que «há a escola segura e a intervenção das forças de segurança que permitem também ajudar a controlar essas situações». Além de ser necessário «alertar os mais novos, a comunidade escolar ou os encarregados de educação quando as regras não forem respeitadas».

 

Cenário na Europa

Os alunos estão a regressar às aulas em vários países da Europa e já se registaram casos de encerramento de escolas depois de identificados casos positivos. Esta segunda-feira, uma semana após o início das aulas em França, o ministro da Educação francês, Jean-Michel Blanquer, anunciou que já foram encerradas 28 escolas no país. Em França, explicou o ministro, para que os estabelecimentos de ensino fechem portas, basta três adultos testarem positivo. Na Alemanha, das 825 escolas que existem em Berlim, 41 fecharam. No entanto, o sistema alemão tem uma característica que Portugal não tem: as aulas tiveram início a 7 de agosto, mas o regresso foi faseado, como acontece todos os anos.