Biblioteca Pessoal: Saturno e os invejosos

Há um capítulo dedicado aos suicídios, outro às preferências sexuais, outro aos crimes, outros à riqueza e miséria dos artistas – todos eles saborosíssimos. Mas terminaria com um exemplo de até onde pode ir a inveja. 

O planeta Saturno é um gigante gasoso, quase cem vezes maior do que a Terra. Uma translação completa à volta do Sol – o equivalente de um ano nosso – demora umas longas três décadas. Além disso, claro, é circundado pelos famosos anéis, uma mistura de gelo, poeira cósmica e rochas, que lhe intensificam a aura de mistério. Talvez por isso este planeta foi desde tempos recuados associado à criatividade e ao caráter dos artistas – também ele, acreditava-se, enigmático, sombrio, introvertido e propenso à melancolia.

Mas terá isto alguma correspondência com a realidade? Os historiadores da arte Rudolf e Margot Wittkower, marido e mulher, foram à procura da resposta nos documentos, nas crónicas e biografias de artistas que chegaram aos nossos dias. E concluíram que nem sempre a personalidade dos pequenos e grandes pintores, escultores e arquitetos vai de encontro a essa imagem.

Apesar do título, Born Under Saturn nada tem de esotérico. É um livro muito terra-a-terra, cheio de episódios curiosos, por vezes pouco edificantes, que derrubam os criadores do seu pedestal e os mostram a uma luz mais crua.
Nem podia ser de outra forma, uma vez que o casal se propôs justamente a dissipar uma série de mitos e de teorias extravagantes que circulavam na época em que escreveram (a 1.ª edição é de 1963), em especial entre os adeptos da psicanálise.

Nestas páginas encontramos espaço para análise psicológica, é certo, mas sempre com base em fontes sólidas. Os Wittkower contam-nos, por exemplo, o caso do pintor flamengo Hugo van der Goes (1440-1482), que entrou num mosteiro e acabaria por dar sinais de loucura: a meio de uma viagem em 1481 começou a gritar descontroladamente, a dizer que estava amaldiçoado e condenado à danação eterna. Ou o de Parmigianino (1503-1540), que começou a dedicar-se à alquimia e perdeu o interesse por tudo o resto.

Há um capítulo dedicado aos suicídios, outro às preferências sexuais, outro aos crimes, outros à riqueza e miséria dos artistas – todos eles saborosíssimos. Mas terminaria com um exemplo de até onde pode ir a inveja. O hoje quase esquecido Giovannni da Giovanni (1592-1636) foi vítima das maquinações dos seus rivais, que sucessivas vezes sabotaram um fresco que ele estava a pintar para um cardeal. Agora, tal como os autores, damos a palavra a Baldinucci, que registou o episódio no século XVII: «Por isso pediu que lhe instalassem um colchão nos andaimes e ali ficaram juntos [o pintor e o seu assistente]. Estavam ambos lá em cima no escuro, quietos como ratos, quando, à meia-noite, a porta abre devagarinho e entram sorrateiramente duas pessoas trazendo uma pequena lanterna e um pote com um líquido». Quando estavam quase a chegar ao cimo da escada, Giovanni, «com a mão na espada, gritou em voz alta: 'Aqui estão os patifes!’» – e atirou a escada para trás, provocando aos sabotadores uma queda dolorosa. Giovanni deve ter tido uma satisfação enorme com a sua vingança. E nós, que estávamos a torcer por ele, também.

A vida extraordinária do português que conquistou a patagónia { Mónica Bello } 

A jornalista Mónica Bello resgata dos arquivos a história sensacional de José Nogueira, um aventureiro nascido em Vila Nova de Gaia em 1845 e que partiu para o mar sem saber ler nem escrever. Navegou pelas Américas, embriagou-se nas tabernas e dormiu nos bordéis do Brasil. Haveria de se fixar na colónia de Punta Arenas, na longínqua e inóspita Patagónia, e de enriquecer como caçador de leões-marinhos por conta própria. Na hora da sua morte, deixou «uma fortuna de príncipe».

Editora Temas & Debates

Preço 17,70€

Na farmácia do Evaristo { Fernando Pessoa } 

«Era uma tarde de domingo. Acabava na manhã desse dia o movimento militar de 18 de Abril. Estava restaurada a ordem visível. Em todas as caras se via o aborrecimento e o mal-estar que a imprensa do dia seguinte havia de chamar ‘a alegria que se lia em todos os rostos’, o que é possível num país onde tão pouca gente a ver». Com este parágrafo demolidor abre Na Farmácia do Evaristo, em que o incómodo Mendes Pipa, com uma lógica implacável, desmonta uma série de certezas acerca da legitimidade e das virtudes da República. Mais uma pérola de Pessoa – ‘acolitada’ pelo prefácio do editor Manuel S. Fonseca e por uma «entrevista sensacional» de Álvaro de Campos sobre a situação nacional.

Editora Guerra & Paz

Preço 12€

O ano do Macaco { Patti Smith } 

Deambulações, recordações, anotações diarísticas, considerações sobre sonhos e sobre livros, fotografias a preto e branco, assim é este Ano do Macaco, marcado (como já fora o premiado Apenas Miúdos) pela doença e morte de um amigo próximo, o escritor Sam Shepard. E inclui uma passagem por Lisboa, acerca da qual escreve Patti Smith:«Lisboa é a cidade ideal para nos deixarmos levar pelo tempo. Manhãs em cafés a escrevinhar umas coisas em mais um caderno, parecendo que cada página em branco oferece uma fuga, ao receber a fluidez constante da caneta. […] Num passeio ao crepúsculo, a música ecoa pela velha cidade, evocando em mim a voz harmoniosa meu pai atrofiar baixinho Lisbon Antigua, precisamente uma das suas melodias favoritas. Lembro-me de, em criança, lhe ter perguntado o que queria dizer o título. Ele sorriu e disse que era um segredo».

Editora Quetzal

Preço 17,70€