O homem dos bastidores tornou-se primeiro-ministro do Japão

Yoshihide Suga, em tempos o braço direito de Shinzo Abe, é um dos raros dirigentes do PLD que não representa uma dinastia. Disciplinado mas desconhecido, terá de aprender a ganhar eleições.

O novo primeiro-ministro do Japão, o conservador Yoshihide Suga, tomou posse esta quarta-feira. É o fim da era de Shinzo Abe, pelo menos formalmente. Suga, uma personagem pouco carismática, conhecida entre os jornalistas japoneses como a “muralha de ferro”, pela recusa em responder a perguntas difíceis, considerado o braço direito de Abe, prometeu manter o rumo do seu antecessor, montando um Executivo cheio de caras familiares. Com 71 anos, Suga herdou a liderança do Partido Liberal Democrata (PLD), que tem uma maioria parlamentar e governou o Japão durante a maior parte dos últimos 65 anos. Terá de fazer a transição entre os bastidores, onde operava, e o estrelato, com a obrigação de ganhar eleições, apesar de ser uma figura até agora desconhecida pela maioria dos japoneses.

Há um mês atrás, a subida de Suga a primeiro-ministro seria absolutamente imprevisível. A tímida resposta de Abe à pandemia, hesitando impor restrições contra a covid-19, deixou-o com índices de aprovação à volta dos 30%, mas ninguém antevia a sua saída. Até que uma crise de colite ulcerosa, uma doença crónica de que sofria há muito, o obrigou a afastar-se.

A escolha de Suga foi obviamente resultado de “uma eleição nas salas fumarentas no interior do PLD”, considerou Jesper Koll, um economista residente em Tóquio, em declarações à BBC. “O público não teve qualquer voz na sua escolha como primeiro-ministro do Japão”, continuou. “No final de contas, só és bom para o teu partido se conseguires vencer eleições públicas. Portanto, ele está sob pressão. Vai ter de mostrar o seu valor ao partido”.

Mesmo entre os japoneses, conhecidos pela sua ética laboral, Suga é descrito como particularmente disciplinado. “É um homem que se levanta às 5h da manhã, faz 100 abdominais e lê todos os jornais”, descreve Koll, que conhece pessoalmente o novo líder. Contudo, Suga parte com a desvantagem de ser uma solução de compromisso entre os barões do PLD, não tendo apoio de nenhuma fação em particular. Filho de agricultores que produziam morangos no gelado norte do Japão, o novo primeiro-ministro é um caso raro no seu partido, por não ter capital político familiar ao qual se agarrar, ao contrário de Abe, filho de um antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e neto de um primeiro-ministro.

Como tal, o Executivo de Suga é uma miscelânea das sete principais fações do PLD, incluindo a do seu principal rival, o ultraconservador Shigeru Ishiba, antigo ministro da Defesa, que encabeçava a oposição interna a Abe. Numa altura em que o primeiro-ministro enfrenta uma pandemia e uma brutal crise económica, bem como uma queda a pique na taxa de natalidade e um aumento das tensões com países vizinhos, como a China e com a Coreia do Sul, não há dúvida que os rivais de Suga explorarão cada um dos seus erros.

Por agora, Suga recusou os apelos da oposição, que exige a dissolução do Parlamento e novas eleições, para legitimar o novo incumbente. Seja como for, o novo primeiro-ministro terá de se preparar para as eleições de 2021, sempre consciente que as muitas fações do seu partido lhe podem tirar o tapete pelo meio.