Aumento de casos antes do impacto da abertura das aulas gera apreensão

Governo convocou de urgência gabinete de crise. “Antes do outono e da retoma da atividade letiva já estamos num patamar elevado”, diz Ricardo Mexia. Para a Associação de Médicos de Saúde Pública, perdeu-se a oportunidade de implementar plano de resposta com mais tempo.

O “aumento contínuo” de casos e “reforçar a sensibilização dos cidadãos para a adoção de medidas de prevenção e de segurança contra a covid-19” levaram o o primeiro-ministro a convocar para esta sexta-feira uma reunião de urgência do gabinete de crise interministerial, que não se reunia desde 29 de junho. O anúncio surgiu depois de ser conhecido o boletim da DGS sobre a evolução da epidemia: Portugal voltou a passar ontem o patamar dos 700 casos diários, o que já não acontecia desde abril, e registaram-se 10 mortes no espaço de 24 horas, o número mais elevado desde 9 de julho.

Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, os números confirmam a tendência de crescimento de casos que se acentuou nas últimas semanas, mas pelo menos de acordo com a informação disponibilizada pela DGS não houve uma alteração significativa na trajetória que já se verificava nos últimos dias. “Sabemos que é dos números mais elevados que tivemos, mas o nosso sistema de informação tem uma volatilidade tal que é difícil interpretar dados isolados. Teremos de esperar pelos próximos dias. Que temos assistido a uma tendência de aumento, temos”, sublinha, admitindo um fator de preocupação que os dados da última semana vieram reforçar. Portugal passou de uma média de 300 novos casos em agosto para 500/600 nos últimos dias e o número atual de novos casos não resulta ainda do aumento de circulação de pessoas e contactos previsível com a abertura do ano letivo. “Antes do outono e da retomada da atividade letiva, já estamos num patamar elevado, pelo que é expectável que com a retoma a situação se complique. Em termos de internamentos, não se verificou um agravamento, mas o feedback que temos dos colegas nos hospitais é que a pressão está a aumentar. Não vemos um indicador que tenha surgido de terça-feira para cá que mostre a necessidade de reunir de emergência, mas com certeza que é uma situação que preocupa a saúde pública. O plano de resposta para o outono/inverno não foi ainda divulgado nem implementado e o que vemos é que o outono/inverno chegou mais cedo. Perdemos a oportunidade de o implementar antes.”

Esta quarta-feira, na conferência de imprensa da DGS, a ministra da Saúde indicou que o plano integrado para o outono/inverno, que deverá contemplar respostas em várias áreas, da articulação entre centros de saúde e hospitais à intervenção da Segurança Social, estava em fase de ultimação e seria divulgado logo que estivesse concluído. “O plano está a ser construído de forma alargada e participada. Está praticamente terminado. É um documento que logo que esteja totalmente fechado será partilhado com todos”, garantiu Marta Temido. O gabinete de crise do Governo para a covid-19 junto ministros das várias tutelas, pelo que o encontro poderá permitir um ponto de situação sobre os preparativos, não só do lado da Saúde. O país entrou em estado de contingência na terça-feira, com a proibição de ajuntamentos de mais de 10 pessoas, mas o regresso às aulas mostrou em vários pontos do país que a regra não foi cumprida à porta de algumas escolas.

 

Mais casos entre idosos

Dos 770 casos confirmados esta quarta-feira, 54% são pessoas com menos de 70 anos. A faixa etária acima dos 70 anos, onde se tem registado maior letalidade, representa 9,6% dos novos casos. Se em termos percentuais a distribuição de casos se tem mantido relativamente estável, com a maioria das infeções a ocorrer na população mais jovem, em termos absolutos, com o aumento dos casos tem havido também um crescimento das infeções entre idosos e ontem foi o dia com mais casos confirmados nesta faixa etária nas últimas semanas, com 41 novos casos entre os 70 e os 79 anos e 33 acima dos 80 anos de idade. Ricardo Mexia sublinha que apesar de até aqui a incidência ter sido maioritariamente na população mais jovem, tem havido um aumento da idade média dos doentes. Para o médico, é expectável que um agravamento da situação epidemiológica acabe por atingir também os mais idosos. “São evoluções esperadas, o fator inesperado foi o outono/inverno ter chegado mais cedo”, diz.

 

Governo avalia situação das empresas a cada 15 dias

O Governo aprovou esta quinta-feira em Conselho de Ministros as regras para o desfasamento de horários nas empresas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto com pelo menos 50 funcionários. Para já, as regras que obrigam ao desfasamento dos horários em 30 a 60 minutos vigoram apenas nas áreas metropolitanas, mas poderão ser estendidas a outros pontos do país em função da evolução da epidemia, uma avaliação que será feita a cada 15 dias. As alterações têm sido criticadas por patrões e sindicatos. A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, sublinhou que se trata um pequeno acerto face ao que já é praticado em muitas em empresa. “Não é uma alteração ao código de trabalho. É um pequeno acerto às condições em que todos podemos viver com maior segurança. É uma alteração excecional, dirigida a este período que vivemos, como outras. Quero realçar o caráter excecional e transitório desta medida”, sublinhou a ministra.