Hindenburg. O fogo desceu do céu

6 de maio de 1937. O Deutsche Zeppelin-Reederei que ligou Frankfurt a Nova Iorque, no início da primeira de dezassete viagens marcadas entre a Europa e a América, transformou-se numa nuvem de chamas: 36 pessoas morreram naquele que foi dos primeiros grandes acidentes da história da aviação.

Jamais uma nave tão grande cruzou ou voltaria a cruzar os céus. Construído pela empresa alemã Luftschiffbau-Zeppelin GmbH, era um monstro de 245 metros de comprimento, com um diâmetro de 41,18 metros e um volume de 200 mil metros cúbicos. Se, por exemplo, compararmos estes números com o do maior avião do mundo em atividade, o Antonov An-225, vemos que este último não ultrapassa os 84 metros de comprimento, o que demonstra desde logo a monstruosidade que a Alemanha tinha colocado nos ares para dominar os corredores aéreos entre a Europa e as Américas.

No dia 4 de março de 1936, exibindo os cinco anéis olímpicos, o Hindenburg ergueu-se pela primeira vez com 87 pessoas a bordo e sobrevoando a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim presididas por um Adolf Hitler impante. A propaganda nazi atingia o seu auge. O zepelim – uma invenção do conde Ferdinand von Zepellin, cujas primeiras ideias sobre a aeronave tinham sido desenhadas em 1874 – ganhou o nome de Paul Ludwig Hans Anton von Beneckendorff und von Hindenburg, o chefe do exército alemão durante a I_Grande Guerra e, mais tarde, presidente da República de Weimar até à sua morte, em 1934. Impulsionado por quatro motores Mercedes Benz, de 1200 cavalos-vapor cada um e que moviam hélices de mais de quatro metros de altura, o Hindenburg tinha uma autonomia de voo de 16 mil quilómetros quando completamente abastecido e era um dos firmes orgulhos do governo nacional-socialista que aproveitara os projetos abandonados no final da Guerra de 1914/18 para se gabar de possuir o grande dominador do firmamento.

Para se libertar da dependência dos Estados Unidos, o maior fornecedor de hélio da altura, os alemães optaram por inflar o dirigível com hidrogénio e conseguiram dar-lhe uma muito interessante velocidade máxima de 135 km por hora. O primeiro voo comercial do Hindenburg saiu de Friedrichshafen, no estado de Baden-Württemberg, grande centro aeronáutico do país, no dia 31 de Março de 1936 com destino ao_Rio de Janeiro. A viagem foi acidentada e um motor que deixou de funcionar obrigou a uma paragem no Recife. A volta também não se realizou sem contratempos, e teve aterrissagens não programadas em Marrocos e em França. Nada que refreasse o entusiasmo dos alemães pelas viagens aéreas transatlânticas.

Nos anos que se seguiram, o Hindenburg fez dez travessias para Nova Iorque e mais seis para o Rio de Janeiro. Além do mais, o deck A, que estava acoplado à enorme estrutura de metal sustentada por 15 circulares que lhe forneciam o aspeto cilíndrico exterior e das quais saía uma teia de travessas que sustentavam toda a aeronave, era de um luxo sibarítico. Desenhado pelo famoso Fritz August Breuhaus, possuía pequenos quartos para os passageiros poderem descansar, uma enorme sala de jantar e até uma biblioteca. Um imponente mapa-mundi enfeitava uma das paredes, enquanto as outras estavam cobertas por fotografias de anteriores voos do zepelim. O deck inferior era composto por quartos de banho, uma sala para a tripulação e um espaço especial para fumadores. No dia em que sobrevoou o Estádio Olímpico de Berlim, os passageiros compunham uma multidão heterogénea: o presidente da Zeppelin Company, responsável pela construção da nave, Dr. Hugo Eckener, o comandante do aparelho, tenente-coronel Joachim Breithaupt, 47 membros da tripulação e 30 operários a fingirem de passageiros. Tinha sido Eckener a decidir que o dirigível se chamaria Hindenburg, mas nos primeiros voos experimentais exibia somente na carcaça o número de registo – D-LZ129 – e os anéis olímpicos que não tardariam a ser substituídos pela cruz suástica e pelo nome em carateres teutónicos.

Hermann Goering, o Ministro do Ar, criou uma empresa propositadamente para a exploração das atividades do Hindenburg (e dos seus irmãos gémeos, o LZ 127 Graf Zeppelin e o LZ 130 Graf Zeppelin II, o primeiro destinado a voos para a América do Sul, o segundo posto ao serviço dos corrreios), a Deutsche Zeppelin Reederei, propriedade conjunta da Luftschiffbau Zeppelin (construtora das máquinas), do Reichsluftfahrtministerium, o Ministério do Ar, e da Deutsche Lufthansa A.G, companhia aérea nacional.

Goering andava num sino. A sua satisfação era de tal ordem que ordenou um voo de propaganda que cobrisse os céus de toda a Alemanha, Die Deutschlandfahrt, 6600 quilómetros que iriam permitir aos germânicos empinarem os narizes e observarem a nova maravilha da técnica nazi. Estava longe de imaginar, nesse tempo, que o zepelim viria a tornar-se num dos maiores pesadelos para o seu ministério.

Um ano mais tarde
Não foi preciso esperar muito tempo. Pouco mais de um ano após a apresentação das novas aeronaves, depois de se assumirem como os reis das travessias aéreas do Atlântico, os alemães vir-se-iam a contas com a tragédia. No dia 3 de Maio de 1937, após ter acabado de concluir uma viagem de ida e volta ao Rio de Janeiro, o Hindenburg descolou de Frankfurt para aquela que deveria ser a primeira das dez viagens entre a Alemanha e os Estados Unidos programadas para o que restava do ano. Não levava muita gente, apenas 36 passageiros da sua capacidade para 70, e 61 membros da tripulação. No regresso, a enchente já estava confirmada. Da América viriam muitos que queria assistir à coroação do rei Jorge VI na semana seguinte, em Londres.

Apesar de um forte vento que soprava de frente, reduzindo a velocidade do aparelho, a travessia do Atlântico foi tranquila. Quando o Hindenburg sobrevoou Boston já estava com algumas horas de atraso em relação ao horário estabelecido. A manhã do dia 6 prometia complicações à chegada a Lakehurst Maxfield Field, Nova Jérsia, o local da aterragem, por via das tempestades contínuas que assolavam o local. Prevenido em relação aos problemas que teria de enfrentar, o comandante Max Pruss optou por um voo circular de aproximação cuidadosa o que levou o Hindenburg a passar sobre Manhattan criando um clima de estupefação que atirou para as ruas milhares e milhares de curiosos espantados com aquela espécie de pássaro gordo e sem asas que acabara de sobrevoar os mares. As horas foram decorrendo, e havia por entre os passageiros um crescente nervosismo. Pelas 4 horas da tarde, ainda Pruss conduzia a sua nave sobre os subúrbios de Nova Jérsia à espera do momento certo para se dirigir a Lakehurst. Finalmente recebeu, via rádio, autorização para aterrissar. Eram 18h22 minutos. Estava atrasado um dia, mas havia tempo suficiente para recarregar o zepelim para o regresso à Europa.

Manobra atrapalhada
Ficou decidido que a manobra de aterrisagem se faria à custa de cabos e que o Hindenburg seria depois puxado para o solo à força de braços dos operários locais, algo de Max Pruss não gostava particularmente nem era hábito realizar-se na Alemanha, por exemplo. Às 19h00 a nave estava a 200 metros de altura e pronta para os procedimentos. Tudo parecia, de repente, começar a correr mal. Às 19h09, o zepelim teve de realizar mais uma volta em redor do aeródromo pois em terra não havia gente suficiente para dominar os cabos. Às 17h17, uma fortíssima rajada de vento obrigou o aparelho a mais uma volta forçada. Entretanto, o comandante Pruss ordenara o despejo dos depósitos de água e a abertura das válvulas de gás de forma a diminuir-lhe o peso. Cinco minutos mais tarde, a altura em relação ao chão era de 90 metros e os cabos foram lançados, procedendo-se à amarração da corrente principal ao poste que existia no aeródromo para o efeito. Os restantes cabos ainda não tinham sido presos quando a chuva voltou a cair sobre os homens em terra. Foi um momento marcante. Instintivamente, os comportamentos alteraram-se a a organização desfez-se.

O desenrolar do drama
19h25: houve testemunhas que afirmaram taxativamente que, na fábrica em frente, uma fuga azulada de gás foi bem visível. Logo em seguida as chamas surgiram no topo do Hindenburg. Os passageiros sentiram um forte estremeção quando a aeronave se descolou com violência esticando até ao limite os cabos que a prendiam ao solo. A tripulação convenceu-se, inicialmente, que tinha sido uma das amarras que rebentara. Erro terrível.

Em segundos, o Hindenburg ficou envolto em chamas. Durante os dias que se seguiram, várias versões surgiram um pouco por toda a parte. Helmut Lau, que se encontrava no deck inferior, teimou que ouviu uma forte explosão. Centenas e centenas de fotografias foram publicadas mas não há uma única que mostre a origem do incêndio.
A estrutura da retaguarda do Hindenburg implodiu, a nave desequilibrou-se instantaneamente para a frente ficando quase na vertical, a cauda separou-se do resto do corpo da máquina, as chamas espalharam-se de forma incontrolável por toda a carroçaria, as pessoas pura e simplesmente começaram a morrer, na sua maior parte horrivelmente transformadas em tochas humanas. O gigante dos ares tombou por completo no solo. À medida de que os tanques de hidrogénio ardiam rapidamente, os tanques de fuel eram tomados por um fogo lento.

Calculou-se que o desastre do Hindenburg não demorou mais de meio minuto. E o acontecimento ganhou uma dimensão inusitada. Os jornalistas acorreram a Lakehurst como formigas, recolhendo testemunhos, disparando as máquinas fotográficas a torto e a direito, os documentários filmados tornaram-se populares. Toda a publicidade que percorreu o planeta nas semanas e meses que se seguiram foram terríveis para o futuro das travessias aéreas intercontinentais a bordo dos dirigíveis e uma espécie de bênção para a Pan American Airways que aproveitou o espaço vago nos céus para o encher de aviões cada vez mais modernos. Apesar de tudo, a propaganda alemã, liderada firmemente por Joseph Goebbels, conseguiu refrear o drama no país. Recordava, para compensar, que o Graf Zappelin I tinha voado com a máxima segurança por mais de um milhão e seiscentos mil quilómetros, incluindo uma viagem de circum-navegação.
13 dos 36 passageiros do Hindenburg morreram; 22 dos 61 membros da tripulação também. Deste total de trinta e cinco mortos, 26 foram vítimas da queda do aparelho. Os outros foram comidos vivos pelo fogo ou mataram-se na tentativa de saltarem para o solo, desfazendo-se no embate. Werner Gustav Doehner foi o últimos dos 62 sobreviventes a manter-se neste mundo. Até ao seu desaparecimento, no dia 8 de Novembro do ano passado, resolveu mergulhar num anonimato quase total a despeito de ser continuamente vítima do interesse mórbido dos meios de comunicação. A despeito de ter nascido na Alemanha, em Darmstadt, Werner passou a sua infância na Cidade do México onde o pai era o diretor-geral da empresa americana Beick, Felix, and Company Pharmaceuticals. Num momento de inusitada expansividade, contou que tinha sido a mãe a retirá-lo, juntamente com o seu irmão mais velho, das chamas do Hindenburg, atirando-se em seguida lá do alto e não sobrevivendo à forte pancada que sofreu na cabeça ao tocar o solo. 

Hugo Eckener, que não era escrupuloso por aí além, tratou de lançar a especulação de que o seu zepppelin fora vítima de sabotagem. Baseando-se na divulgação de algumas cartas ameaçadoras que houvera recebido, afirmou categoricamente que o incêndio fora provocado por um tiro de carabina. Curiosamente recebeu o apoio inesperado do comandante Charles Rosendahl, o chefe da NavalAir Station de Lakehurst e responsável pela manobra de aterragem no local. Escreveu mesmo um livro chamado What About the Airship?, publicado no ano seguinte. Outro defensor da teoria da conspiração de Eckener foi o comandante do dirigível, Max Pruss que, depois de ser o piloto do Graaf Zeppelin I, se transformou no comandante em permanência do Hindenburg. Fez eco da sua versão dos factos em palestras que o levaram por toda a América, e teimou acesamente que atravessara por várias vezes o Atlântico Sul onde fora atingido por raios e coriscos sem que isso tivesse abalado o mínimo da segurança da sua aeronave. Em 1962, outro livro mexeu no caso com violência. Escrito por A.A. Hoehling, Who Destroyed the Hindenburg? apontava um culpado para o acidente: Erich Spehl, um dos membros da tripulação, que morreu no incêndio do dia 6 de Maio. A sua teoria baseava-se em premissas com o seu quê de inopinado, começando pelo facto de Erich namorar com uma rapariga russa, comunista, e figadalmente antinazi e que tinha conhecimentos suficientes sobre elementos que pudessem ter provocado a faísca fatal.
Até hoje nunca houve uma explicação estritamente científica para a tragédia doHindenburg. Várias explicações foram dadas, inúmeros relatórios foram publicados, livros inteiros foram escritos e reescritos, mas o mistério mantém-se. O gigantesco pássaro que representou a capacidade de superação da Alemanha nazi e a demonstração cabal da superioridade germânica no universo do transporte aéreo mundial, ficou para sempre como um caso irrepetível. Talvez como exemplo para a fragilidade dos que se tomam como invencíveis e indestrutíveis. De alguma forma, o Hindenburg foi a representação do drama doTitanic levada a palco num aeroporto, vinte anos antes. Longe dos números do afundamento do monstro que saíra de Liverpool com destino a Nova Iorque, que rondaram os mil e quinhentos, mas exemplificativo daquela vontade dos homens de irem para além de todos os limites. Ou uma outra versão da debilidade de Ícaro, o que voou tão alto que desafiou a autoridade do sol. Por isso, a imagem que nos resta até hoje, é a de um inferno de chamas no qual as pessoas gritam em silêncio…