Lentidão dos Tribunais trama contribuintes

A Câmara de Lisboa tem cerca de dois mil milhões de euros em ações de indemnização pendentes ou em conclusão nos tribunais portugueses. Processos que se arrastam durante anos e os juros, pagos pelos contribuintes (pelo Orçamento do Estado), vão-se acumulando. Um dos casos mais paradigmáticos é o do Parque Mayer, em que a CML…

A lentidão dos tribunais é conhecida, principalmente no que toca aos recursos processuais, e, nos vários casos que envolvem a Câmara Municipal de Lisboa (CML), os contribuintes estão a ser severamente prejudicados devido ao pagamento dos juros em casos que se arrastam durante vários anos. Segundo o SOL conseguiu apurar, a CML tem mais de dois mil milhões de pedidos de indemnização pendentes ou em fase de conclusão. E os juros de mora que vão sendo acumulados estão sempre a contabilizar. Ao SOL, Sofia Vala Rocha, vereadora do PSD, em regime de substituição, na CML, sublinhou que, enquanto existirem fatores políticos envolvidos nestes casos, os contribuintes vão sair sempre prejudicados.

«Sobre os processos pendentes em tribunal relativamente a processos e respetivos juros, tenho a dizer que, enquanto numa entidade privada ou numa empresa as decisões judiciais e a decisão de recorrer são decisões que só se prendem com a natureza das decisões dos tribunais e com a relação custo-benefício, se vale a pena ou não recorrer; na política nao é assim. E um juízo político interfere sempre», começou por referir, explicando o que acontece em processos que envolvem políticos.

«Um presidente de Câmara, um chefe do Governo ou um ministro quando é condenado numa decisão de tribunal, em vez de pensar estreitamente e aceitar os conselhos dos advogados – vendo se é conveniente recorrer ou não –, aquilo que o político faz é pensar se aquilo é conveniente politicamente ou não. Se tiver eleições, ainda sabendo que a probabilidade aponta para que vá perder o recurso, aquilo que o político faz é recorrer. Recorre para mandar para a frente o assunto. Recorre para não ter de dizer ao público que tem ali uma situação que possa ser explorada politicamente. E os juros vão acumulando. Porque o político sabe que, na maior parte dos casos, não vai ser responsabilizado por aquela decisão ou até já não está no lugar quando a decisão final vier. E muitas vezes é uma decisão que não é boa, que condena, mas já não é aquele político que lá está. Já é outro e o próximo que apague a luz e resolva o problema. Esse é que é o problema», atirou Sofia Vala Rocha, sublinhando ainda que as decisões de recurso nunca deveriam ter contornos políticos.

«As decisões de recorrer ou não, e os respetivos juros, deviam ser decisões puramente jurídicas. Se o conselho jurídico for no sentido de que não há probabilidade de obter vencimento, então deve acatar-se e publicitar aquela decisão e não se deve fazer jogo político e eleitoral com essas decisões», reforçou.

 

Caso Bragaparques

Um dos processos pendentes mais paradigmáticos é o caso Bragaparques – ou do Parque Mayer e da antiga Feira Popular de Lisboa. Em 2014, a empresa comprou os terrenos, mas, em 2016, a CML foi notificada para pagar uma indemnização de 138 milhões de euros à Bragaparques, devido a um processo que respeita a factos ocorridos entre 2004 e 2005, relativos à permuta e à venda dos terrenos do Parque Mayer e de Entrecampos. A CML, porém, optou por recorrer e, passados quatro anos, tudo continua igual.

«Eu diria que este é o caso mais importante. Arrasta-se desde 2007. A reversão foi feita em 2007, por António Costa, que voltou a ganhar eleições em 2009 e em 2013, e a decisão que saiu em 2016 condenou a Câmara. E a Câmara, em 2016, não quis acatar a decisão do tribunal e recorreu. Agora, passaram quatro anos e a decisão ainda não veio. Estamos novamente nas vésperas de um ato eleitoral, porque são as autárquicas em 2021, e a CML e o seu presidente, Fernando Medina, estão com medo de que o tribunal condene a CML a pagar aquilo que a Bragaparques pediu mais os juros que são de oito milhões de euros por ano»,  esclareceu Sofia Vala Rocha, enfatizando o valor dos juros que são pagos pelos contribuintes.

«Quando recorreu desta decisão, a CML já sabia que ia pagar oito milhões de euros por ano. E entretanto já vendeu o terreno da Feira Popular por 274 milhões de euros e está na iminência de ser condenada por um valor superior. E se assim for, vem mostrar que a decisão da reversão da Feira Popular e da Bragaparques foi uma péssima decisão que vai sair muito cara ao contribuinte», rematou.

 

«O princípio não pode ser o de empurrar para a frente»

Há 13 anos que o processo Bragaparques está pendente nos tribunais. E_este não é caso único. São vários os processos que se arrastam durante anos, sempre com os juros acrescentados. Então, o que deveria ser feito pela CML nestas situações para não prejudicar os contribuintes?

 «O que é fundamental tirar daqui é que se comece a perceber que, de cada vez que há uma decisão dos tribunais, o princípio não pode ser o de empurrar para a frente para que o político que vier a seguir lidar com aquela situação. O essencial é preservar o interesse do Estado e dos contribuintes. Se não há probabilidade de obter vencimento é pagar aquilo por que foi condenado, arrepiar caminho e começar a ver que é necessário agir dependendo do Estado, interesse público e do dinheiro dos contribuintes. Não é, por sistema, ir até à última instância e recorrer», alertou Sofia Vala Rocha, que também não quis deixar passar em branco a conhecida lentidão dos tribunais em Portugal.

 «Fernando Medina já veio dizer que os tribunais têm de se despachar. A lentidão dos tribunais já é conhecida quando se recorre. Ninguém pode recorrer sabendo que vai ser condenado a oito milhões de euros por ano. No caso da Bragaparques, sabendo que tinha oito milhões de euros por ano a pagar, não pode depois vir alegar desconhecimento ou pressa. A partir do momento em que recorre, sabe quais são as condições a que está sujeito. Está sujeito a que o processo demore e a pagar juros elevados. Se não se quer sujeitar a isso, pague», concluiu, reforçando que aquilo de que gostaria era que os contribuintes «pudessem dormir descansados», sabendo que o Estado tomaria «as melhores decisões não políticas nem politiqueiras, mas sim as melhores decisões no interesse de todos nós».

 

Outro caso a envolver a CML

Um dos processos que também envolve a CML e no qual os juros são novamente o prato principal é o da Quinta das Pedreiras, no Lumiar. A CML foi condenada, em 2018, a pagar uma indemnização de 65 milhões de euros acrescidos de juros de mora, o que perfez um total de 96 milhões de euros – mais de 30 milhões só em juros.

Em causa esteve um contrato feito entre a CML e António Pais Arez Romão, que cedeu ao município 45.701,13 metros quadrados de um terreno, na Quinta das Pedreiras, ficando com a restante propriedade. Na altura, o acordo foi que o proprietário podia construir na sua parte de terreno o dobro da área permitida para a totalidade da propriedade. Em 1997, porém, António Pais Arez Romão e uma familiar intentaram uma ação contra o município, alegando que a construção no terreno doado teria fins sociais, mas acabou destinada a habitação de luxo.

À Lusa, fonte da CML disse, na altura, que «esta situação foi devidamente provisionada nas contas da Câmara», que se encontrava «em condições de honrar esta decisão sem comprometer a sua sustentabilidade financeira», comprometendo-se a «respeitar os limites legais de endividamento e os prazos médios de pagamento a fornecedores».

O SOL contactou o Conselho Superior de Magistratura (CSM), com o objetivo de recolher um comentário sobre os atrasos nas decisões dos tribunais e as suas consequências em matéria de juros de mora, bem como a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, mas não obteve qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.