‘A situação é menos grave do que em abril, mas é quase inevitável assistirmos a um aumento de óbitos’

Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia, da Universidade do Porto, diz que é “adequado” definir esta fase como uma segunda onda. 

Já é possível perceber se estamos perante uma segunda onda da epidemia?  

Sim, creio ser adequado descrever a fase atual como uma segunda onda, com um crescimento generalizado por todo o país. É algo bastante claro pelo aumento exponencial de casos nas últimas semanas. De momento o cenário mais provável é a continuação do aumento de casos. E é perfeitamente possível que na próxima semana haja um dia com mais de 1000 casos

A partir de que momento pode dizer-se que a epidemia está em crescimento exponencial? O que muda? 

Teoricamente, o crescimento exponencial caracteriza-se por um aumento a uma taxa percentual constante. É o que acontece neste momento tanto em Espanha como em França mas também em Portugal, embora a uma taxa de crescimento não tão alta. Entrar nesta fase origina uma repentina exigência de maiores recursos, como capacidade de testagem ou de internamento.

Quando poderá perceber-se o impacto da abertura das escolas? 

Dentro de duas semanas já poderá começar a ter-se alguma noção desse impacto, refletido na incidência de casos nas faixas etárias das crianças e adolescentes. O cenário mais preocupante seria um eventual aumento significativo de surtos em contexto escolar. Em todo o caso, provavelmente só em meados de outubro será possível uma avaliação mais completa, após o recomeço das aulas nas universidades.

Vemos França com mais de 10 mil casos diários, Espanha a bater recordes. Como podemos perceber se estamos numa situação mais ou menos grave agora com perto 800 casos do que estávamos com os mesmos 800 casos em abril? 

Neste momento, a situação é muito menos grave do que em abril. Por duas razões essenciais, a maior capacidade de testagem e a maior incidência em jovens. Isso reflete-se de forma clara no menor número de hospitalizações e de óbitos.

Apesar de não serem o grupo com mais casos, tem havido  um aumento do contágios entre idosos. É possível prever como vai evoluir o número de mortes em função dos casos confirmados nos últimos dias? Parece-lhe que estamos a fazer o suficiente para proteger e sensibilizar este grupo de risco? 

É possível prever e é quase inevitável assistirmos nestas próximas duas semanas a um aumento de óbitos. Observando a incidência recente crescente de casos nos idosos acima dos 80 anos e tendo em conta a letalidade de 18% nesta faixa etária é bastante seguro prever mais óbitos. No entanto, não serão certamente os únicos atingidos. Creio que está a ser feito um grande esforço de proteção dos mais idosos e isso é evidente pelo facto de a faixa etária entre os 70 e os 79 anos ser a que tem menor incidência nos últimos meses. No entanto, será impossível uma proteção completa perante o aumento generalizado de casos na restante população. 

O caso sueco voltou a suscitar comparações nos últimos dias. Nunca confinaram, as escolas estão a funcionar, as crianças não usam máscaras, têm metade da incidência de novos casos do que Portugal. O número de óbitos diminuiu e tem-se mantido baixo. Vê utilidade na comparação entre países? Há alguma abordagem que se possa replicar?

Ser útil é, mas não é ainda claro que a melhoria a que se assiste na Suécia seja definitiva. O facto de esse país ter tido muitos casos durante vários meses faz com que atualmente exista alguma imunidade de grupo, o que diminui o risco de contágio. Observar a evolução sueca permite acima de tudo quantificar as consequências da estratégia seguida. Ao dia de hoje a Suécia tem uma mortalidade mais de três vezes superior à portuguesa. Ainda é cedo para afirmar os méritos do caminho seguido. A realidade sueca é muito diferente da do nosso país e tendo em conta o caminho diametralmente oposto ao que foi seguido por nós, é difícil falar em replicar o seu exemplo e duvido que valha a pena replicar.