Os caminhos de Belém

À partida, já se sabe quem ganha, faltando apenas saber se Marcelo consegue ou não superar o ‘score’ eleitoral  de Mário Soares…

Desde que, em maio, numa visita à Autoeuropa, António Costa ‘anunciou’ a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência e o seu apoio implícito, dissiparam-se as dúvidas sobre essa matéria, ainda que o próprio visado tivesse deixado escapar algum embaraço, perante o gesto inusitado do primeiro-ministro. 

De então para cá, resolvido o ‘tabu’, as presidenciais deixaram de moldar as agendas mediáticas, à exceção de perceber quem seriam os ‘complementos de programa’ do filme para Belém. 

Como qualquer cidadão pode candidatar-se à Presidência da República, desde que seja maior de 35 anos e «com capacidade eleitoral ativa», confirmaram já esse propósito Marisa Matias, em ‘reprise’, num intervalo de Estrasburgo, de onde avista, há mais de uma década, «uma União Europeia minada pela corrupção»; Ana Gomes, que disse que não e que sim, até revelar o seu ‘segredo de Polichinelo’, sem causar mossa nas ‘tropas’ alinhadas com Costa; além de João Ferreira, o ‘cordeiro’ escolhido pelo PCP para o sacrifício periódico. 

A estes candidatos juntou-se, ainda, o controverso André Ventura, esperançado em capitalizar votos à custa de Marcelo. E mais alguns interessados no ‘tempo de antena’. Para provar que existem.

No meio disto, Marcelo passeia a vantagem de estar em campanha há quase cinco anos, distribuindo ‘selfies’ e afetos como se fosse uma ‘popstar’, em contraponto ao ambiente académico, fechado e formal, de onde é oriundo e onde se distinguiu e fez carreira docente, antes de se popularizar numa fulgurante atividade de analista político. 

Bom comunicador, sabendo ter empatia frente às câmaras, Marcelo ‘inventou’ a figura do ‘político-comentador’, abrindo caminho a uma plêiade de gente, no ativo ou na reforma, deslumbrada com a eficácia do formato e desejosa de macaquear as suas charlas televisivas. Uma legião de ‘clones’, à esquerda e à direita. 

Entre tantos discípulos, há de tudo, desde evangelistas a autarcas ambiciosos -–ou a fracos líderes parlamentares –, todos de ‘peito cheio’ para pregar os seus interesses, próprios e de capela, ora com ‘farda’ institucional, ora trocando de fato para se sentarem, ufanos, nos estúdios, sem que ninguém lhes aponte a incongruência ou a caricatura. 
Por isso, as televisões, generalistas e temáticas, passaram a incluir nos seus alinhamentos, um vasto elenco de ‘artistas’, investidos no desígnio de pastorear os portugueses.

A atrofia do sistema mediático e a paralisia do regime democrático também se lhes deve.

As presidenciais não serão suficientes para sacudir este conformismo. É durante as crises que mais se forjam os autoritarismos, quando as populações vivem na incerteza do dia seguinte. E alguns sinais de abuso do poder e de sentimento de impunidade são já visíveis. 

As esquerdas sentem-se entronizadas, perante uma oposição de direita ausente, errática nas opções, metida no casulo, à espera que o Governo caia por si. Bem pode esperar sentada… 

À partida para estas eleições, já se sabe quem ganha, faltando apenas saber se Marcelo consegue ou não superar o ‘score’ eleitoral de Mário Soares na recandidatura. 

Dir-se-á que não é um cenário muito estimulante, tanto mais que o atual Presidente falou quase todos os dias neste primeiro mandato, banalizou-se e abdicou da função primordial de árbitro que os eleitores esperavam dele, ao consentir, por ação ou omissão, a colagem – ou o ‘encosto’ – de António Costa e que este se achasse cada vez mais ‘dono disto tudo’.

Infelizmente, Rui Rio, líder da oposição por alcunha, continua refugiado a norte, contente com umas ‘vitualhas’ para alimentar o ego. 

No meio da pandemia, não se presente um rasgo a caminho de Belém. Cumpre-se o calendário. 

Nota em rodapé – A participação de António Costa e de Fernando Medina na chamada ‘comissão de honra’ de recandidatura do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, era, obviamente, indefensável. O recuo, por interposto Vieira, num exercício calculado de auto vitimização ao retirar da lista «todos os titulares de cargos públicos, sejam autarcas, deputados ou membros do Governo», foi uma forma de ‘tapar o sol com a peneira’, e aliviar a pressão mediática que se fazia sentir, sem os protagonistas ‘perderem a face’. Só se deixa enganar quem quiser e não ilude a promiscuidade instalada entre a política e o futebol. Vieira está envolvido numa espessa teia de casos com a Justiça. Tanto bastaria para que o primeiro ministro e o presidente da CML evitassem juntar-se à candidatura. E ficou mal à ministra da Justiça o beneplácito piegas, ao sair em socorro de Costa com a declaração lírica de que «em matéria de paixões, cada um tem direito à sua contradição íntima». Esperava-se mais de uma magistrada de passagem pelo Governo.