Vicente

Foi, Vicente Jorge Silva, no jornalismo, a emblematização esplendorosa do grande homem que, ao exercê-lo, subscreveu o compromisso social magnificado, também, no mundo, por jornalistas como Harrison Salisbury ou Mayer Berger. 

Por Luís Alberto Ferreira, Jornalista

Quando morre um grande jornalista, cai uma das pedras ebúrneas da nossa Acrópole.  Se, com ele, perdemos igualmente um grande homem, estremecem os torreões da nossa esperança coletiva. «Que raio se ensina nos cursos de jornalismo?», interrogava-se, já lá vão alguns anos, João Caupers, da Universidade Nova de Lisboa. Vicente, que, descomplexado, inovador, sacudidor, estuante, não raro irritado, libertário, senhor de si, sobraçava sem temor a sua casuística, suas experiências de vida, a recordação das muitas unidades fabris da solidariedade em que ele se aficou, à margem mesmo do exercício do jornalismo – numa existência rotante, avassaladoramente pautadora do bem alheio e considerativa de quantos ele, sem conhecimento presencial ou pessoal dos mesmos, sensibilizou e encorajou com a prodigiosa agulha magnética da sua intuição. Foi, Vicente Jorge Silva, no jornalismo, a emblematização esplendorosa do grande homem que, ao exercê-lo, subscreveu o compromisso social magnificado, também, no mundo, por jornalistas como Harrison Salisbury ou Mayer Berger. Ambos vinculados ao The New York Times, recusaram repoltrear-se no onirismo patriótico e, ao longo da Segunda Guerra, confluíram na tenaz narrativa da verdade. Vicente é o camarada irrepetível, incomparável. Mestre de si mesmo, errabundo noutras paragens da velha Europa, sujou as mãos onde a solidariedade lho exigiu. Alçou-se, no Olimpo  da nossa profissão, como um homem livre, inconsúltil, dono da sua verdade. Sofreu, na recatada algidez da sua grandiosa lição de dignidade, a doença que no-lo roubaria.

Eu li, decifrei, subescrevi, compreendi Vicente Jorge Silva. Nunca o vi. Jamais troquei com ele uma só palavra. Mas, dele, Vicente, guardo  o seu nobre recacho libertário, o estandarte  que ele tomou das mãos de Marco Aurélio: «Os homens existem uns pelos outros».  Quando, em tempo de religionários  da exclusão, da pabulagem persecutória, da censura obstativa e caluniosa, em certos jornais,  bafejava-me um único refrigério: no Público,  aquele Público de Vicente Jorge Silva, inusitada se tornou a frequência da citação de trechos de crónicas minhas no Jornal de Notícias.  A solidariedade era, em Vicente, cálida, instintiva, adagial.  Perdemos um Grande Jornalista e um Grande Homem.  Eu perco, também, um Grande Amigo – que estes meus olhos jamais viram.