O messias que foi detido pelas secretas russas

Sergei Torop, que se dizia a reencarnação de Jesus, é acusado de abusos sobre os seus seguidores. Viviam numa comuna na Sibéria, onde o veganismo era obrigatório e a crença em aliens parte da doutrina.

Jesus Cristo foi detido pelos serviços secretos russos na madrugada de terça-feira, acreditam os seguidores de Sergei Torop, um antigo polícia de trânsito tornado líder de culto. O complexo do autoproclamado messias, onde uns quatro mil fiéis viviam isolados nas profundezas da Sibéria, foi cercado pelas tropas especiais do Serviço Federal de Segurança (FSB na sigla inglesa), fortemente armadas. Foram apoiadas por helicópteros, enquanto dezenas de carrinhas da polícia e ambulâncias avançaram sobre o complexo. Torop, de 59 anos, mais conhecido como Vissarion, que diz ser a reencarnação de Jesus, é acusado pelas autoridades de usar violência psicológica sobre os seus fiéis e de lhes extorquir dinheiro. O culto também é investigado por fraude fiscal e corrupção, avançou a Interfax. 

A queda em desgraça foi súbita e inesperada. O culto de Torop, a Igreja do Último Testamento, uma estranha mistura entre contracultura, esoterismo e crença em extraterrestres, fundada nos anos 1990, no meio do vazio ideológico deixado pela rutura da União Soviética, crescia como nunca com a pandemia. 

Aliás, desde o início da crise pandémica que os recrutas mais que triplicaram, gabou-se Vadim Redkin, em tempos baterista de uma popular boys band soviética, que se tornou o braço-direito de Torop. Acabou detido junto com o seu messias. “Recebemos emails da Europa, América do Sul e América do Norte”, disse, em maio, Redkin ao Moscow Times. “As pessoas estão à procura de algo e ficaram atraídas pelo nosso estilo de vida. Estão à procura de escapar ao isolamento e à solidão”.

 

Paisagem idílica Não é difícil compreender o apelo da Igreja do Último Testamento. Numa altura em que boa parte da humanidade está enfiada em casa devido à covid-19, a Casa do Alvorecer, a sede do culto, está rodeada de pequenas aldeias onde vivem os fiéis, no meio da floresta boreal da Sibéria. Completamente isolados do exterior, os seguidores de Torop podiam juntar-se para cerimónias religiosas e as crianças podiam brincar na rua, umas com as outras.

Para os membros do culto, as restrições são outras. Nada de praguejar, beber álcool, fumar, consumir café ou açúcar. As transações monetárias são proibidas no complexo, é obrigatório o mais estrito veganismo e as meninas são ensinadas à parte, com base no conservadorismo cristão ortodoxo. Em todas as pequenas cabanas de madeira espreita o rosto de Vissarion, em retratos na parede, sereno e beatífico, parecido com Jesus. 

 

Perseguição ou abuso de poder “Até agora, todos os fiéis foram muito simpáticos. Só alguns tinham o olhar louco de membro de um culto”, notou um repórter da Vice num documentário de 2012, no que foi uma das raras visitas da imprensa ao complexo. Claro que houve alguns sinais de alerta. Por exemplo, muitos dos visitantes eram estrangeiros e a igreja insistiu em tirar-lhes os passaportes. “É interessante, e um bocado assustador também, ver tanta gente com tanta fé num homem ou deus”, salientou o repórter. 

Mesmo assim, foi esse documentário que levou Benjamin Kaufmann, um austríaco cuja vida foi abalada pela pandemia, a interessar-se pela Igreja do Último Testamento.“Primeiro pensei: ‘Ah, mais um tipo que acredita que é Jesus’. Mas estava curioso e vim na mesma, e pensei que aquela parecia a maneira ideal de viver”, contou Kaufmann ao Moscow Times. 

Numa Rússia onde são perseguidos grupos religiosos não tradicionais e onde foram detidos mais de 300 testemunhas de Jeová o ano passado, muitos perguntam-se se Torop será mais um líder de culto que abusou do seu poder ou se será perseguido por motivos religiosos. Receia-se a reação dos seus seguidores mais desesperados.