Cristina e Jesus

Tal como Jesus voltou ao Benfica, Cristina Ferreira regressou à TVI e está a fazer uma revolução. Mas não estará a dar passos maiores do que a perna?

Tenho uma certa simpatia por Cristina Ferreira. É uma mulher dinâmica, com iniciativa, que subiu a pulso.
E além disso é uma mulher atraente. 

No entanto, sempre tive dúvidas sobre a sua transferência para a SIC – porque achei que a TVI era o canal ideal para ela: um canal popular, ligeiro, pouco institucional. 

Um canal onde ela podia sentir-se como peixe n’água.

Além de que, para a SIC, Cristina Ferreira tornar-se-ia a prazo uma presença incómoda.

Com Cristina, a SIC alteraria a sua natureza: passaria a ser um canal menos sério, mais populista, mostrando estar disposto a usar todos os meios para atingir os seus fins, ou seja, o crescimento das audiências.

Note-se que foi exatamente por esse ‘desajustamento’ entre Cristina Ferreira e a SIC que ela acabou por sair. Lendo as suas declarações e as de Ricardo Costa, percebe-se que entre ambos houve um choque frontal. Não, talvez, um choque pessoal – mas um choque de projetos.

Ricardo Costa não poderia permitir que a imagem de Cristina se sobrepusesse à própria imagem do canal; ora, era isso precisamente o que Cristina Ferreira queria.

Ricardo queria preservar uma ‘marca SIC’ forte – e por isso tinha de manter Cristina Ferreira ‘no seu lugar’; mas, tendo conquistado para a SIC a liderança das audiências, Cristina achava-se com direitos especiais sobre a estação.
O embate era, pois, inevitável. 

O que fez Cristina Ferreira voltar à TVI foi esta dar-lhe o que a SIC lhe recusou. 

E ainda mais: além de ser a grande estrela da estação, de ser acionista da estação, de ser administradora da estação, de dirigir o entretenimento da estação, Cristina vai levar a estação a ser cada menos TVI e cada vez mais ‘o canal da Cristina’.

Sucede que uma coisa é ser uma estrela televisiva popular, é fazer um ‘programa das manhãs’ bem sucedido – e outra coisa, muito diferente, é ser uma boa administradora e uma boa diretora.

Sobretudo, se assumir a postura do ‘quero, posso e mando’.

Ora, parece que é isso que está a acontecer.

Cristina Ferreira chegou à TVI e a estação começou a contratar e a despedir pessoas, numa azáfama infernal. Só ela dá ordens. Não se percebe já o que anda a fazer Nuno Santos, que ainda há pouco fora investido no papel de ‘patrão’ da programação do canal. E muito menos se sabe por onde anda José Eduardo Moniz, que tinha sido contratado há não muito como consultor de luxo da estação.

Essa gente toda desapareceu.

Só se fala de Cristina Ferreira.

Nas notícias do Google que recebo no meu telemóvel, de manhã, à tarde e à noite lá aparece obrigatoriamente uma notícia sobre Cristina Ferreira. E nas capas das revistas do social não se passa um dia em que uma não tenha Cristina na capa.

Ora, terá Cristina Ferreira arcaboiço para aguentar tanto mediatismo? Terá substância para alimentar tanta notícia? É que a imagem pela imagem acaba por cansar. E recuperá-la depois é muito difícil.

Mas há mais. Segundo algumas decisões revelam, Cristina Ferreira não quer apenas ser a grande estrela da TVI, nem só a patroa da programação da TVI, nem uma importante acionista da TVI: tem a ambição de orientar politicamente a estação. O despedimento de algumas pessoas e a contratação de outras sugere a existência de um critério político. 
Parece estar em curso uma aproximação entre a TVI e o PS, ou entre António Costa e Cristina Ferreira, e isso pode vir a ser fatal para a TVI.

A governamentalização de uma estação televisiva é um passo perigosíssimo. 

Sabe-se que Sócrates tentou – e conseguiu – governamentalizar uma parte dos media. E António Costa estará a tentar isso, embora mais subtilmente.

Uma coisa é certa: as dezenas de milhões de euros que o Estado deu recentemente à TVI serviram essencialmente para quê? Alguém reparou? Serviram para contratar Cristina Ferreira e satisfazer algumas das suas exigências e caprichos.

Neste aspeto, pode dizer-se que há algum paralelismo entre o regresso de Cristina Ferreira à TVI e o de Jorge Jesus ao Benfica. 

Ambos pediram muito dinheiro, ambos fizeram muitas exigências, ambos fizeram listas de entradas e saídas, ambos prometem revoluções. 

Jesus saiu do Benfica, voltou ao Benfica e está a operar uma revolução na Luz; Cristina Ferreira saiu da TVI, voltou à TVI e está a operar uma revolução em Queluz.

Mas aqui há uma diferença importante: enquanto Jorge Jesus já tem décadas nesta profissão (o que não o impediu de perder o primeiro teste…), Cristina Ferreira está a dar os primeiros passos nestas novas funções. 

E por isso é lícito perguntar: não estará ela a exorbitar as suas competências?

Não estará a dar passos maiores do que a perna?