A aberração da cotovelada

O aperto de mão, então, é outra coisa. Servia de corriqueiro cumprimento entre indivíduos do mesmo sexo ou mais cerimonioso se entre sexos diferentes, já que o beijo na mão de uma senhora (que não o era, porque as regras do cavalheirismo, da boa educação e da delicadeza, importavam que na realidade não houvesse contacto…

Tempos houve em que se faziam crónicas sobre o cumprimento com um, dois ou até três beijinhos.

Já eram.

A pandemia obrigou ao distanciamento e as novas regras de convivência social mudaram radicalmente.

Agora, o cumprimento faz-se com uma cotovelada ou juntar de punhos, que não substituem – jamais, como é óbvio – o tradicional passou bem.

O aperto de mão, então, é outra coisa. Servia de corriqueiro cumprimento entre indivíduos do mesmo sexo ou mais cerimonioso se entre sexos diferentes, já que o beijo na mão de uma senhora (que não o era, porque as regras do cavalheirismo, da boa educação e da delicadeza, importavam que na realidade não houvesse contacto entre os lábios de quem cumprimentava e a pele de quem era cumprimentada – quando muito a mão enluvada era ligeiramente encostada à face) caiu em desuso e passou até a ser expressão de sexismo na mais moderna conceção das relações sociais.

Quando ainda a pandemia era mero surto na China e nalguns outros países asiáticos e na Europa os diretores gerais da Saúde ainda acreditavam que o vírus não chegaria com todo o seu maléfico esplendor ao ocidente, já circulavam nas redes sociais inventivas novas formas de cumprimento – nomeadamente utilizando os pés em vez das mãos.

Mas as coisas evoluíram tão rapidamente que o cumprimento com uma cotovelada ou pelo toque entre punhos se impuseram de um dia para o outro, sem que alguém cuidasse de refletir sobre a estupidez da coisa, de ambas as coisas.

Que, na verdade, são mesmo estúpidas.

Da mesma maneira que é possível sinalizar um abraço à distância cruzando os braços sobre si mesmo com um ligeiro inclinar da cabeça, o mais normal seria termos passado a juntar as nossas próprias mãos quase como já há muito o fazem os orientais, fazendo acompanhar o gesto de um quase impercetível aceno de cabeça – para lhe não chamar vénia, que é coisa que, pelos vistos, ganhou significado quase exclusivamente de subserviência ou serventia e já não de respeito ou de consideração.

O toque entre punhos nada tem de mais preventivo do que o aperto de mão – tão depressa levamos o lado interior dos dedos aos olhos ou à boca, como os chamados nós do indicador que bate nos nós dos indicadores dos outros. E quanto à cotovelada, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já veio desaconselhá-la.

O cumprimento com um passou bem ou aperto de mão simboliza, em primeiro lugar, boa educação, enquanto sinal de respeito e consideração pelo outro. E, em segundo lugar, quando serve para selar acordo ou negócio entre partes, palavra de honra, compromisso, dignidade – por isso, um aperto de mão deve ser firme e forte qb, por um lado, mas também delicado e respeitador, por outro, conforme as ocasiões e a pessoa que nos estende a sua mão ou a quem estendemos a nossa – mas nunca frouxo ou displicente (porque é sinal de fraqueza e desrespeito), nem excessivamente forte (porque desnecessariamente agressivo e até pode magoar).

Daí que haja uma diferença, e grande, entre o passou bem e o aperto de mão.

Mas nem um nem muito menos o outro podem ser confundidos ou substituídos pela estupidez de uma cotovelada.

Porque uma cotovelada sempre teve exatamente o sentido contrário ao que agora se pretende dar-lhe. Se um passou bem é sinal de cortesia, delicadeza ou boa educação; uma cotovelada é um ato de pura má educação e de desrespeito.

E se um aperto de mão simboliza nobreza e honradez na palavra dada, compromisso e dignidade; a cotovelada é ato de malvadez, cobardia ou traição.

Ou seja, exatamente o contrário do que a nova sociedade, no seu novo normal, está a querer convencionar.

Saber estar e saber cumprimentar não tem de implicar comportamentos de risco, como o beijo ou o aperto de mão.

Mas também não deve obrigar a que passemos a ser todos parvos e acríticos seguidores de novas modas sem sentido.

É tão sem sentido como o já bem nosso conhecido primeiro-ministro holandês pretender que o público autorizado a ir aos jogos de futebol se mantenha sempre sentado, mudo e quedo, que comemore um golo sem reação ou discuta uma decisão de um árbitro com um desabafo em surdina.

Se é para ser amorfo e não reativo, de que serve ter público nas bancadas?

Só mesmo à cotovelada (leia-se: com os melhores cumprimentos).