Segunda vaga mais lenta mas a subir

Região de Lisboa concentra o maior número de novos casos e a pressão sobre os hospitais tem estado a subir, mas a um ritmo mais lento do que em março. Análise de risco por concelho vai ser acompanhada de medidas padrão a implementar quando soarem os alarmes.

Até esta sexta-feira Portugal não tinha passado a barreira dos mil novos casos de covid-19 num dia, como indicavam as projeções na semana passada, mas a expectativa é que a epidemia continue a crescer e que essa possa ser a realidade diária em outubro. Ontem a ministra da Saúde defendeu que em Portugal, mais do que falar de uma segunda onda, esta é uma terceira fase, porque depois do pico de casos em abril, o país nunca desceu para a linha de base e agora há um novo aumento de casos, acompanhado pelo aumento de internamentos. «Segunda vaga é uma questão de terminologia, que eu pessoalmente não gosto de usar, mas de facto neste momento o que temos é um aumento de casos que é superior ao que se registava em agosto e consistente. Tínhamos uma média de 300 casos e agora estamos com o dobro disso, pelo que claramente há um recrudescimento do número de casos», diz ao SOL Manuel Carmo Gomes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos peritos que dá apoio ao Ministério da Saúde no acompanhamento da epidemia. Por agora, há dois sinais que diferem da primeira vaga: o aumento está a ser mais lento e apesar de se vir a registar um aumento dos casos entre a população mais idosa, é inferior ao que se registava no início da primeira onda em março.

«Está a aumentar mais devagar: em março, abril, chegámos a ter aumentos de 10, 15% por dia no número de casos e agora andamos com aumentos inferiores. É um aumento mais gradual mas consistente. Ser mais lento permite um maior controlo da situação, em março a curva era assustadora», continua Carmo Gomes. 

As medidas de distanciamento e máscaras agora implementadas estarão a contribuir para esse menor ritmo: mesmo havendo mais contactos entre as pessoas, são menos infecciosos. O segundo aspeto é o impacto entre os idosos: apesar de estarem a aumentar o número de casos, e esta semana voltou a acontecer, no início da epidemia chegaram a representar um quarto dos novos casos, patamar que não se atingiu até ao momento. Esta semana, de segunda-feira até ontem, os casos em idosos com mais de 70 anos representaram 13% das novas infeções diagnosticadas no país, contra 11% na semana passada. Na semana passada foram registados ao todo 542 novos casos entre idosos, números que poderão ser ultrapassados até domingo. «É algo a vigiar», diz Manuel Carmo Gomes, sublinhando que quantos mais casos e pessoas infetadas, mais difícil será proteger este grupo sem mais cuidados e novas medidas.

A partir dos mil casos diários, a pressão tenderá a aumentar, mas Manuel Carmo Gomes considera que o essencial é perceber como vai evoluir a pressão hospitalar e também a distribuição dos internamentos no país, por exemplo se existe uma maior concentração dos internamentos numa determinada região. Que é o que parece estar a começar a acontecer.

Ontem a ministra da Saúde revelou que atualmente há 156 doentes internados com covid-19 na região Norte e 356 na região de Lisboa, dentro da capacidade preparada neste momento para a covid-19 em ambas as regiões sem que esteja suspensa atividade programada. É em Lisboa que têm vindo a ser registados mais novos casos, a esta altura o dobro do Norte, mas é no Norte que estão identificados mais surtos ativos (124 dos 287 sinalizados no país), o que pode refletir também a capacidade de identificação de clusters.

No Norte, há uma ocupação de 58% das camas ativadas para a covid-19 neste momento nos diferentes hospitais (256 no total) e na região de Lisboa a ocupação é de 62% (há 553 camas reservadas neste momento para doentes covid-19 nos hospitais de Lisboa). Durante a semana a pressão aumentou em alguns hospitais, como o Amadora-Sintra, mas ainda com números abaixo do que os que se registaram em junho, quando os casos aumentaram em Lisboa. Em termos de cuidados intensivos, neste momento estão ocupadas 54 das 85 camas de unidades de cuidados intensivos reservadas para a covid-19 nos hospitais da região de Lisboa e no Norte 26 de 41. A capacidade é extensível, sublinhou a ministra da Saúde. Mas a certa altura deverá ter como contrapartida a suspensão de atividade programada, nomeadamente cirurgias. A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares dá isso como certo e lamenta que a esta altura não haja uma avaliação pública dos últimos meses e que áreas serão priorizadas – leia a entrevista a Alexandre Loureço, presidente da associação publicada este fim de semana no SOL.

Medidas em função do risco por concelho para evitar confinamento geral

Modelos divulgados por investigadores franceses e também por grupo americano apontaram outubro como o mês de subida maior de casos, admitindo até um pico já na segunda semana do mês. Manuel Carmo Gomes considera que é difícil fazer previsões com segurança com base na primeira onda, mas é expectável que haja um agravamento da situação em outubro. O investigadora aponta no entanto o pico surja mais tarde. Até onde irá a curva dependerá das medidas que vierem a ser tomadas. «No fundo é como estarmos a ver o filme da primeira vaga em câmara lenta. Se as pessoas não tomarem cuidados, se não forem adotadas futuras medidas, continuará a subir, a subida é apenas mais lenta. Até onde irá, só o conseguiremos perceber ao longo do tempo», diz o investigador, que acredita no entanto que poderá ser possível evitar um cenário de um novo confinamento geral com medidas mais localizadas.

Durante a semana, o Ministério da Saúde apresentou o plano nacional de resposta para o outono-inverno. Além das medidas de organização dos serviços de saúde, com a transformação das áreas dedicadas à covid-19 em áreas para o atendimento de queixas respiratórias, prevê que numa segunda fase de maior agravamento da epidemia sejam definidos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto hospitais covid-19 free, o que na primeira fase da epidemia só aconteceu nos IPOs. Não foi ainda revelado que unidades não terão casos de covid-19, sendo que estão também previstos hospitais de retaguarda.

Em termos mais globais, a estratégia passará agora por uma nova metodologia de avaliação de risco por concelho, a um nível mais local, com a definição de medidas a tomar nos diferentes patamares de risco. A ideia de mapas de risco epidemiológico, que já são usados em países como Reino Unido, surgiu pela primeira vez no plano de outono/inverno e o secretário de Estado Adjunto e da Saúde comparou esta semana a nova ferramenta ao sistema de semáforos que foi implementado nas praias, no fundo um código de cores que apontava as lotações. A Direção Geral da Saúde confirmou ao SOL que a metodologia está a ser desenvolvida em conjunto com a academia e o Instituto Ricardo Jorge, não antecipando uma data para a sua implementação.

Segundo o SOL apurou, os trabalhos preparatórios estão a decorrer e focam-se em duas dimensões: para já, serão estabelecidos os indicadores que vão permitir a cada momento que em cada município, em parceria com as autoridades locais, seja avaliado o nível de risco local, não só a incidência de novos casos por habitantes, mas o valor do RT (que dá uma ideia da tendência de crescimento e rapidez da epidemia) ou a natureza dos surtos e novos casos, se são comunitários sem ligação epidemiológica ou mais localizados, por exemplo em lares.

Serão definidos então estados de alerta e a segunda vertente do trabalho passa pela definição das medidas padrão a aplicar em cada patamar, que poderão ir de restrições no comércio, redução de lotações de transportes, novas medidas em locais públicos, regras para eventos públicos – a DGS já tinha indicado esta semana que será criado um novo referencial – e funcionamento das escolas, nomeadamente circunstâncias em que se pode voltar ao ensino misto ou em casa ou a um cenário de confinamento local. O sistema deverá só estar operacional em meados de outubro.