A depressão bate à porta do coração dos mutilados pela violência doméstica!

 Peçam ajuda! A depressão não pede licença para entrar – e só existem duas maneiras dela sair: através de nós próprios e da nossa força de vontade ou através da sua força em derrubar-nos! Que sejamos nós então a matar a depressão!

Acordei e o céu estava preto mesclado. Já não me lembro qual foi a última vez que vi o céu azul, ou a verdadeira cor do Sol. As estações do ano já não existiam. Eram sempre a mesma. Inverno. Um Inverno cerrado, onde ora existia uma chuva mais miudinha, ora existiam nevões. Onde existia nevoeiro ou trovoada.

Vivia entre uma preexistência limitada por dias sem qualquer alegria ou exaltação. Não possuía em mim qualquer sentimento. Aprofundava o buraco da minha preexistência, pois recusava a ajuda daquilo que os meus olhos não viam.

O dia passava e o coração afundava-se como uma âncora. Tinha uma família normal, três filhos e um cão, alguns problemas financeiros, nada insolúvel, até a pandemia chegar. Essa tornou o ar menos respirável.

As pessoas como eu aparentam a normalidade, esboçam sorrisos, vivem uma vida dupla e desconexa. No entanto, o coração continuava no fundo do mar, acorrentando, tudo isto porque eu não assumia as mudanças de humor, o ficar na cama durante um dia inteiro sem querer levantar-me, a incapacidade em mexer um músculo e a tristeza que me comia as estranhas não podiam ser normais, banais.

No entanto, eu banalizava isso tudo. Chorava quando a minha mulher adormecia. Ou quando deixava os meus filhos na escola. Chorava, porque não sabia sorrir. Chorava porque era a única coisa que conseguia fazer. Chorava! Não via beleza num pôr-do-sol, nem no olhar da minha mulher. Não via beleza no adormecer dos meus filhos. Era prisioneiro do meu próprio corpo!

Acho que me tentaram ajudar e eu acho que deixei ir isto longe demais, pelos dias menos maus.

Um dia acordei de madrugada e a dor no peito engoliu-me o coração por inteiro, desci as escadas até à garagem onde tinha alguns materiais de construção e um pequeno barco – em que, aos fins de semana, por vezes saía para ir pescar com o meu filho. Agarrei numa corda grossa e espessa e fiz um laço. Era uma corda, mas não era de salvação. Os meus braços trabalhavam sozinhos enquanto a enrolavam ao meu pescoço. Pela primeira vez senti alguma coisa, uma sensação áspera da corda a apertar o meu pescoço, que parecia de papel.

Agarrei no banco de madeira que tinha lá perto e subi para cima dele, sempre e sem sentir qualquer exaltação. Saltei. Lembrei-me da minha mãe. Tal como eu, a minha mãe usou uma corda por não aguentar mais a violência que o meu pai exercia sobre ela. De alguma forma, também eu fui buscar uma corda para acabar com um sofrimento enterrado como estilhaços que foram deixados no meu corpo.

Ficámos assim ligados. Por não pedir ajuda, três crianças assistiram à morte brutal do seu pai e uma mulher apaixonada ficou viúva. E a depressão venceu! E a violência doméstica também! Em criança, ninguém me ajudou, enquanto eu assistia aos espancamentos, gritos e sangue!

É por isso que é tão importante pedir ajuda! Peçam ajuda! A depressão não pede licença para entrar – e só existem duas maneiras dela sair: através de nós próprios e da nossa força de vontade ou através da sua força em derrubar-nos! Que sejamos nós então a matar a depressão!