A Incontestável Clara Sottomayor!

Não, não queremos robots. Não, não podemos ter juizes advertidos por serem humanos. Não, não podemos ter juizes perseguidos por terem opinião.

Os últimos dois dias têm sido particularmente emocionantes para tantas pessoas que é difícil explicar. Anteontem foi o dia da tomada de uma posição pública que não deveria ter de ser necessária mas que de forma tão bonita e recheada se manifestou pelos pares em matéria de activismo, feminismo e justiça da Juíza Conselheira Clara Sottomayor. Se me pedirem para definir a Clara, eu digo, que esta carta assim o fez! E define porque sem qualquer dúvida ou hesitação todas e todos nos sentimos honrados em fazer parte dela e alguns tristes pelos seus nomes não ficarem lá cravados. A questão é que a Clara ontem juntou o feminismo, a verdade e a honra para além fronteiras (Portugal, Espanha, Brasil, Argentina e México) por ser uma juíza excepcional, uma cidadã que defende os direitos humanos e um exemplo para o Portugal fechado! 

Ontem foi o dia de mostrar que por ser juíza pode ter direito a ter uma opinião enquanto cidadã, uma opinião válida, uma opinião coesa, uma opinião que é muito importante! Apesar de a quererem transformar numa máquina, vinte e cinco organizações nacionais e internacionais e 230 personalidades (portuguesas e internacionais) vieram dizer: NÃO! Viemos todos juntos dizer: 

Não, não queremos robots. Não, não podemos ter juizes advertidos por serem humanos. Não, não podemos ter juizes perseguidos por terem opinião. E não, não podemos ter juízas perseguidas por serem feministas, e por aqui o viemos expressar:

“Carta Aberta de Apoio à Juíza Clara Sottomayor

Testemunhando os múltiplos episódios de desinformação que, repetidamente, questionam a idoneidade da Juíza Conselheira Clara Sottomayor, vimos coletivamente manifestar o nosso mais expressivo apoio e solidariedade, juntando-nos a diversas manifestações prévias no mesmo sentido, a título individual.

Tendo sido alvo de sucessivos comentários na comunicação social, Clara Sottomayor tem a sua defesa, no espaço público, sujeita a inúmeros constrangimentos, que delimitam o seu direito a contraditório.

Não temos como desiderato a crítica ao processo ainda em curso, no Conselho Superior da Magistratura, referente aos comentários feitos, em maio, pela Juíza numa página pública do Facebook, em relação ao caso do homicídio de Valentina, de 9 anos, nos quais questionava o papel e ação das instituições na prevenção dos crimes na família.

 Pretendemos sublinhar o inestimável contributo e conhecimento de Clara Sottomayor em matéria da defesa dos Direitos Humanos das Mulheres e das Crianças, na academia e na magistratura. O seu percurso profissional, marcado pelo compromisso pela justiça, pela verdade e pela sua ação cívica foram reconhecidos, em 2014, com a atribuição do Prémio Ângelo d’Almeida Ribeiro, de Direitos Humanos, pela Ordem dos Advogados.

A sua carreira académica na área do Direito Civil e do Direito da Família, de reconhecido mérito, é marcada pela prolífica produção científica em torno dos direitos das crianças, universo central do seu compromisso jurídico, cívico e profissional. Nestas esferas, o seu contributo para os direitos humanos das mulheres foi igualmente essencial, vertido em numerosas comunicações e publicações sobre violência doméstica e sexual.

Os seus pronunciamentos críticos nestas matérias, iniciados numa altura em que o debate público sobre as mesmas era ainda incipiente, ofereceram um contributo crucial para a priorização destes problemas, em consonância com a legislação internacional a que Portugal se encontra vinculado, nomeadamente a Convenção de Istambul e a Convenção de Lanzarote.

O compromisso público e profissional para com os Direitos Humanos das Mulheres e das Crianças tem granjeado a Clara Sottomayor oposições públicas que, amiúde, a rotulam e reduzem a um “feminismo excessivo”. O anacronismo de tal caricatura conflitua, no entanto, com a consagração Constitucional plasmada na alínea h) do artigo 9.o, da Constituição da República Portuguesa.

A defesa da igualdade entre mulheres e homens não é factor que desqualifique Clara Sottomayor nem o exercício da magistratura; pelo contrário, é pedra angular do nosso Estado de Direito Democrático e das sociedades que hoje se querem mais justas, livres e igualitárias. Clara Sottomayor tem prestado um generoso contributo para que esse horizonte de justiça seja realidade de facto em Portugal.”

E foi esta a carta que abriu um capítulo contra uma evidente opressão. Um evidente receio. Um evidente medo de avançarmos da idades das trevas para o presente século na magistratura! É a incontestável Clara Sottomayor!