A importância da estabilidade justifica todas as cedências?

O que temos visto nos últimos dias, é um namoro descarado do PS aos partidos à sua esquerda, PCP/PEV, PAN e Bloco, visando reeditar a ‘geringonça’…

1. Conforme temos visto e ouvido, as negociações para o OE de 2021 começam a dominar todos os temas. Um ano (2021) em que se inicia com a Presidência Europeia e com todas as exigências inerentes, um ano que se segue a 2020, caracterizado por uma imprevisível pandemia e subsequentemente a maior depressão económica de que temos memória.

Aquilo que temos visto nos últimos dias, é um namoro descarado do PS aos partidos à sua esquerda, PCP/PEV, PAN e Bloco, visando reeditar a ‘geringonça’, ou seja, procurando um apoio que permita viabilizar o OE e que, por vezes, como em muito namoros, envolve amuos e até ameaças.

Relembremos uns factos. Temos uma Assembleia da República com 230 deputados, dos quais apenas 35 (ou seja cerca de 15%) representam aqueles partidos. Temos um Governo do PS, partido democrático e republicano nos seus princípios, mas que engloba no seu seio alguns ministros conotados com posições mais próximas dos bloquistas e já por diversas vezes expressas.

Ou seja, para além do teatro das reivindicações da esquerda radical, que todos sabemos irão terminar em concessões de parte a parte, viabilizando o Governo, seja apenas o Bloco (dado que a abstenção deste será suficiente) ou também juntando o PCP/PEV (para evitar manifestações de rua e contestações sindicais) e PAN, a pergunta que faço é simples: se cerca de 85% da representatividade da Assembleia não votou nesta esquerda radical que se revê em regimes comunistas, porque razão esta tem tamanho peso nas negociações?

A resposta é simples: porque Costa e o PS, para exercerem o poder, preferem estas alianças que durante 40 anos nunca existiram. Em época de vacas gordas, com a economia a crescer, desemprego a diminuir, sobretudo graças à economia privada como sucedeu desde meados de 2014 (ainda com Passos Coelho, quando a economia começou a reagir) até fevereiro 2020, estas cedências esquerdistas, normalmente com elevados custos estruturais, ainda se aguentam no curto prazo. Mas em épocas como a que vivemos, em que nem mesmo os fundos europeus serão suficientes para evitar que a dívida pública só possa subir, ainda por cima com o desemprego a grassar, tais cedências conjunturais com impactos financeiros estruturais só irão agravar o futuro dos nossos filhos e netos.

2. A discussão sobre o encaminhamento das verbas europeias também é fértil. Existem regras a cumprir e Costa bem o sabe. Não esquecendo que Portugal é um dos países com a dívida mais elevada, diz, e bem, António Costa que «temos de maximizar a utilização das subvenções e limitar ao máximo necessário o recurso a empréstimos».

Mais de acordo não podemos estar. Ora as subvenções a vir de Bruxelas vão chegar aos 12,9 mil milhões de euros. Ao que li, a distribuição escolhida é bem reveladora das opções governamentais:

• Resiliência com 7,2 mil milhões, a dividir entre (i) ‘Vulnerabilidades sociais’ (programas sociais, cuidados continuados e paliativos, hospitais, habitação social) – 3,2 mil milhões; (ii) ‘Potencial produtivo’ (inclui o Banco de Fomento e apoio ao desenvolvimento da economia) – 2,5 mil milhões; e (iii) ‘Competitividade e Coesão Territorial’ (combate a incêndios, desenvolvimento hídrico do Algarve e barragem do Pisão) – 1,5 mil milhões.

• Transição climática com 2,7 mil milhões a dividir entre (i) ‘Mobilidade sustentável’ (ler setor transportes e sua modernização e descarbonização) – 975 milhões; (ii) ‘Descarbonização e economia circular’ (empresas e bio-resíduos) – 925 milhões; e (iii) ‘Eficiência energética’ (edifícios, estratégia nacional de hidrogénio e gases renováveis) – 800 milhões.

• Transição digital com 3 mil milhões, das quais para (i) ‘Escola Digital’ (modernização escolar com investimentos informáticos – 700 milhões; (ii) ‘Empresas 4.0’ (apoio às empresas) – 500 milhões; e (iii) ‘Administração pública’ (leia-se digitalização da Justiça, gestão património, cibersegurança, qualificação da Administração Pública) – 1.800 milhões.

Surpreende alguém que aqui comece a disputa política entre esquerda e direita, com a fatia substancial a ir para o Estado (não se discutindo a premência de algumas das medidas mas apenas o quantitativo) e o restante para o desenvolvimento e fortalecimento da economia privada que tem sido o motor nos últimos anos do crescimento da economia nacional?

PS – Ana Catarina Mendes discursou e soltou umas ameaças às ordens profissionais. Problemas com Enfermeiros, Médicos e Advogados? Não se conseguem dominar? Então, cerceiam-se por iniciativa legislativa as atividades a meros guichets administrativos. Sem comentários!