A luta e o legado de Ruth Bader Ginsburg

Foi a segunda mulher a chegar ao Supremo Tribunal norte-americano. Não foi um caminho fácil,  mas quando chegou ao cargo, Ruth Bader Ginsburg, que faleceu na passada sexta-feira, fez de tudo  para tornar os EUA num país melhor e mais justo.

Podia ter apenas 1,52 metros, mas Ruth Bader Ginsburg será relembrada como «um colosso legal». As palavras foram escolhidas pela BBC para definir a mais antiga juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América, que faleceu na sexta-feira, dia 18 de setembro, devido a complicações causadas por um cancro do pâncreas. Tinha 87 anos.
Bader Ginsburg chegou ao Supremo dos EUA em 1993, nomeada por Bill Clinton, e foi a segunda mulher a chegar a esta instituição, mas o seu legado já nessa altura merecia um lugar na história. 

Foi uma das arquitetas da batalha legal pelos direitos das mulheres nos 1970 e lutou pela igualdade de género toda a sua vida, algo que, nos anos mais recentes, lhe valeu um lugar na cultura pop dos EUA.

No cargo de juíza do Supremo Tribunal, Notorious RBG, como é carinhosamente tratada pela nova geração, via-se como uma «professora do infantário», que tinha de muitas vezes explicar o que era a discriminação de género a uma audiência só de homens. 

Dores de crescimento
Joan Ruth Bader nasceu no seio de uma família de imigrantes judeus no bairro de Flatbush, em Brooklyn, na cidade de Nova York, em 1933. Era a filha mais nova de Nathan Bader, nascido na Ucrânia, e Celia, filha de judeus austríacos, que, uma vez que não teve oportunidade de frequentar o ensino superior, sempre apoiou a educação da sua filha, até à sua morte, o que aconteceu um dia depois de Bader ter terminado o liceu.

Foi Celia quem incentivou a jovem a apresentar-se como Ruth, uma vez que existiam muitas Joan na sua escola.
A estudante de Direito frequentou as Universidades de Cornell, Harvard e Columbia. Foi na primeira que conheceu o seu marido, Martin “Marty” Ginsburg, com quem esteve casada durante seis décadas, até Marty falecer, em 2010. No início da relação, Ginsburg foi diagnosticado com cancro. Enquanto este estava a receber tratamentos, RBG tirava apontamentos nas aulas para Marty, cuidava do primeiro filho do casal e trabalhava na Harvard Law Review.

A sua presença nestas faculdades foi marcada pela desigualdade de género. Entrou em Harvard em 1956, onde era apenas uma entre nove mulheres a frequentar uma turma de cerca de 500 pessoas. O diretor da faculdade, Erwin Griswold, convidou estas mulheres a jantar em sua casa e perguntou-lhes: «O que estão a fazer aqui a roubar lugares a homens qualificados?».

Após ter terminado o seu terceiro curso de Direito, na Columbia Law School (onde, anos mais tarde, se viria a tornar a primeira professora da instituição), e apesar de ter sido a melhor da turma, não recebeu nenhuma proposta de trabalho. «Nenhum escritório de advogados em toda a cidade de Nova Iorque me queria contratar», disse, «Eu encaixava em três terrenos: era judaica, mulher e mãe».

Ruth continuou a sofrer na pele a discriminação ao longo dos anos. Depois de se casar com Marty, o casal teve a sua primeira filha, Jane. Antes desta nascer, RBG trabalhava na Administração do Seguro Social, e, devido à gravidez, foi despromovida. Esta experiência fez com que Ruth escondesse a sua segunda gravidez, de James, em 1965.

Todas estas injustiças inspiraram Ruth a combater pelos direitos das mulheres. «O movimento das mulheres nasceu no final dos anos 1960», disse em entrevista à NPR. «E lá estava eu, uma professora de direito numa altura em que podia dedicar-me a mover esta causa».

Em 1972, Ginsburg cofundou o Projeto dos Direitos das Mulheres na União Americana pelas Liberdades Civis. Participaram em mais de trezentos casos de discriminação de género em 1974. A sua estratégia passava por combater a discriminação de género uma lei discriminatória de cada vez. A sua primeira e uma das mais famosas vitórias aconteceu em 1971, no Caso Reed contra Reed. Ginsburg argumentou que a lei tratava as mulheres como inferiores e o tribunal decidiu que o património de um casal não poderia ser declarado de forma a beneficiar nenhum dos sexos. Esta foi a primeira vez que o Supremo Tribunal refutou uma lei com base na igualdade de géneros.

Chegada ao Supremo Tribunal 
Apesar de não ser a primeira mulher na lista de Bill Clinton para chegar ao Supremo Tribunal norte-americano, depois de Marty ter feito pressão ao então Presidente, este convidou RBG para uma reunião. Clinton ficou encantado com Ruth e, em 1993, nomeou-a para o cargo. O senado confirmou este apelo com uma votação de 96 contra 3.
Nesta fase da sua carreira, a juíza procurou sempre ser uma voz ativa dos direitos das mulheres. Em 1996, declarou que o Instituto Militar de Virginia não poderia permanecer uma instituição que só aceitava homens e que, caso as mulheres conseguissem cumprir os requerimentos da instituição, estas deveriam ser aceites.

Já na reta final da sua vida, Ginsburg continuou uma voz ativa do tribunal e da América progressista. Em 2015, aprovou a “Obamacare”, a lei que visa controlar os preços dos planos de saúde e expande os planos de seguros públicos e privados, e a legalização do casamento homossexual em todos os Estados, caso que considerou ser um dos mais importantes da sua vida.

O legado de Notorious RBG
A juíza tornou-se um ícone nacional e parte da cultura pop dos EUA, inspirando toda uma nova geração de jovens feministas e estudantes de Direito.

Um grupo de jovens criou uma conta na rede social Tumblr em homenagem a Ruth com o título «Notorious RBG», uma referência ao rapper de Brooklyn, Notorious BIG. A juíza foi capa da revista Times e, diversas vezes, o programa de comédia Saturday Night Live, realizava sketches onde Kate McKinnon parodiava RBG.

Este fenómeno de popularidade foi retratado no documentário RBG, nomeado para dois Óscares, na categoria de melhor documentário e de melhor música original. A sua vida foi ainda retratada no filme On the Basis of Sex, de 2018, realizado por Mimi Leder e com a atriz Felicity Jones a encarnar o papel de RBG.

Manteve as convicções até ao fim. «O meu mais fervoroso desejo é não ser substituída até que um novo Presidente seja instalado», escreveu a juíza numa carta de despedida à neta, citada pela NPR.

A sua morte abriu uma vaga no Supremo Tribunal que pode vir a ser preenchida com uma nomeação vitalícia escolhida pelo Presidente dos EUA, Donald Trump. Este tem em mente mais um juiz conservador (esta será a sua terceira nomeação), algo que dará uma maioria a esta ideologia política.

A morte de RBG vai ser instrumentalizada nas próximas semanas, até às eleições norte-americanas, no dia 3 de novembro, e a sua substituição será algo que ainda irá fazer correr muita tinta na impressa. 
Contudo, o seu legado permanece imaculado. Apesar de ter sido por vezes menosprezada pelos colegas pela sua baixa estatura e voz suave, Ruth Bader Ginsburg tornou-se numa pioneira na história dos Estados Unidos da América, desafiando todo o tipo de estereótipos e abrindo portas a muitas outras mulheres.