Biblioteca Pessoal: A origem da palavra retrete e outras curiosidades

No sumptuoso palácio de Versalhes, segundo um inventário, haveria mais de 250 retretes. Ainda assim, consta que muitos cortesãos preferiam aliviar-se no jardim ao ar livre. Seria uma questão cultural?

Atualmente, puxar o autoclismo é para nós um gesto tão natural que dificilmente nos ocorre que a retrete de água corrente pode ser um avanço civilizacional – se não mesmo um luxo. Ainda assim, é disso mesmo que se trata. Na Europa – para não falarmos de outras latitudes –, até ao século XVIII, só as personalidades de alguma importância tinham direito a um assento onde satisfazer as suas necessidades. Uma gaveta, em baixo, permitia retirar o repugnante conteúdo do depósito.

Em Inglaterra usavam-se vários eufemismos para evitar uma descrição mais gráfica. Em França, que parece mais avançada nesta matéria, os nomes variavam: chaises percées ou pertuisées (cadeiras dotadas de um orifício), chayères de retrait (designação que daria origem à nossa retrete) ou chaises nécessaires. Havia ainda quem se lhe referisse como ce meuble odorant…

Mais ou menos odoríferas, algumas atingiam um grau de requinte verdadeiramente extraordinário, com tecidos caros, almofadas ou aplicações em materiais como bronze, laca e madrepérola. Diz-nos Lawrence Wright (não confundir com o distinto jornalista norte-americano) em Limpo e Decente – ou a divertida história do quarto de banho e da retrete (ed. Meridiano, 1970): «A mais elegante retrete de Luís XV era de laca preta com pinturas japonesas e aves em relevo dourado e colorido, com motivos embutidos de madrepérola, aplicações de bronze chinesas, o interior de laca vermelha e um assento de veludo verde». Sem dúvida, um trono digno das reais nádegas de Sua Majestade Cristianíssima! Mas tanto aparato tem uma justificação simples: «Os reis, os príncipes e mesmo os generais», explica o autor, «consideravam-na como um trono no qual podiam ser concedidas audiências. Lord Portland, quando embaixador na corte de Luís XIV, sentiu-se altamente honrado por ser assim recebido».

No sumptuoso palácio de Versalhes, segundo um inventário, haveria mais de 250 retretes. Ainda assim, consta que muitos cortesãos preferiam aliviar-se no jardim ao ar livre. Seria uma questão cultural?

Note-se que para os mais impressionáveis – ou que tenham narizes delicados – o livro de Wright também não é destituído de encantos. Nem só de assentos, descargas e canalizações nos fala o autor. A outra face da moeda são os banhos – que aqui percorremos desde as termas de Caracala, em Roma, ao moderno esquentador. Sem esquecer outros elementos essenciais de higiene, comoo sabão ou a escova e pasta de dentes. Segundo o autor, no século XVI Erasmo de Roterdão dizia que a urina «era bastante popular como dentífrico». Seria porventura um sinal de distinção ter os dentes amarelos?!

O Que É Amar um País – José Toletino Mendonça

«Mas dei comigo a matutar se o que nos está a acontecer não seria, à sua maneira, o nosso tzimtzum. É ao místico judeu Isaac Luria (1534-1572) que é atribuída a paternidade deste conceito. Na linguagem simbólica e paradoxal, que não raro é a dos místicos, Luria explica que, para poder criar o mundo, Deus teve de efetuar em relação a si mesmo um movimento de retração, pois, sendo omnipresente, não havia espaço nenhum que não fosse Deus. Otzimtzum é essa retração, esse vazio gerado pela retirada de Deus para permitir a emergência do mundo». Ao discurso do Dia de Portugal, sobre a importância das raízes, juntam-se nestas páginas ensaios e reflexões sobre a vida e a espiritualidade em tempo de pandemia. Pequenas histórias do quotidiano, parábolas e referências religiosas combinam-se para tentar encontrar sentido nestes tempos estranhos e duros.

Editora Quetzal preço 14,40€

Vida de Lazarilho de Tormes e de Suas Venturas e Desventuras – Anónimo

Publicado pela primeira vez em 1554, este romance anónimo não se limita à crítica social: expõe sem piedade as misérias do ser humano. Nascido pobre, órfão de pai, desde cedo Lazarilho vê-se obrigado a recorrer aos mais diversos expedientes para garantir a sobrevivência. Aprende a arte do embuste com um pedinte cego, mais tarde serve um clérigo e um suposto nobre que acabarão por não se revelar mais sérios do que o primeiro ‘mestre’. Sofremos com os seus revezes e aflições – quase sentimos no estômago a fome atroz que o atormenta – mas também nos deleitamos, e de que maneira, com a sua ironia certeira. Este clássico da literatura espanhola junta-se agora ao catálogo da emblemática coleção Gato Maltês, de pequeno formato e design primoroso. Com tradução do poeta José Bento, falecido há aproximadamente um ano.

Editora Assírio &Alvim preço 8,80€