A Garota de Ipanema

Rezam as crónicas (na Wikipedia) que este era o diálogo que invariavelmente antecedia a interpretação da Garota de Ipanema por aqueles três monstros sagrados da música brasileira e mundial.

Calha ter recebido nesta semana gentil lembrança de André Jordan com as 70 músicas da sua vida, numa seleção pessoal partilhada com muitos dos seus amigos – entre os quais humildemente me incluo, pela admiração, respeito e carinho que de há muito me merece.

Nessa listagem de 70 magníficas músicas, de variadíssimos géneros, não podia naturalmente faltar aquele clássico da Bossa Nova que dá pelo título Garota de Ipanema.

João Gilberto:

– Tom, e se você fizesse agora uma canção que possa nos dizer, contar o que é o amor?

António Carlos (Tom) Jobim:

– Olha, Joãozinho, eu não saberia sem o Vinícius escrever a poesia.

Vinícius de Moraes:

 – Para esta canção se realizar, quem me dera o João para cantar.

João Gilberto:

– Ah, mas quem sou eu? Melhor se cantássemos os três.

Rezam as crónicas (na Wikipedia) que este era o diálogo que invariavelmente antecedia a interpretação da Garota de Ipanema por aqueles três monstros sagrados da música brasileira e mundial nos espetáculos com que se divertiam no bar-restaurante de Copacabana Au Bon Gourmet nos primeiros anos da década de 60 do século passado – faz quase 60 anos.

 

A música foi composta por Tom Jobim para a letra escrita por Vinícius e foi imortalizada por aquele trio maravilhoso, mas também soberbamente interpretada por Frank Sinatra, Plácido Domingo, Madona, Cher, Amy Whinehouse, Mariza e ainda cantada por tantos outros, para além de trauteada por todos nós, tanto em português como em inglês.

E foi inspirada em Helô Pinheiro (Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, nome de solteira), quando tinha 17 anos e passava pelo bar Veloso, naquele bairro carioca, a caminho da praia na baía de Guanabara.

Olhem se fosse hoje…

Se aqueles ou outros ‘artistas’ vissem a moça passar e se inspirassem a escrever aquela letra, que se reproduz:

Olha que coisa mais linda

Mais cheia de graça

É ela, menina

Que vem e que passa

Num doce balanço

A caminho do mar

 

Moça do corpo dourado

Do sol de Ipanema

O seu balançado é mais que um poema

É a coisa mais linda que eu já vi passar.

 

Sexista era o mínimo que a nova ordem haveria de dizer daquela obra de arte.

 

Calha que também esta semana o Ministério da Defesa, tutelado por João Gomes Cravinho, emitiu uma diretiva que visa promover uma ‘linguagem inclusiva’ nas Forças Armadas Portuguesas e eliminar as ‘expressões sexistas’ e ‘homofóbicas’ do léxico militar.

E vejam-se apenas alguns exemplos: trocar ‘obrigado’ por ‘agradecemos’, ‘comandante’ por ‘quem comanda’, ‘coordenador’ por ‘a coordenação’, ‘Direitos do Homem’ por ‘Direitos Humanos’, ‘sejam bem vindos’ por ‘boas vindas a todas as pessoas’ e por aí fora.

Claro que a reação das tropas, de quem coordena e até de alguém que inclusivamente já ocupou aqueles postos de quem comanda foi de imediata reação de indignação e de contestação.

Houve até quem ousasse dizer que «o país está a precisar de um golpe de Estado».

Um exagero!

 

Verdadeiramente, não há razão para tanto. Afinal, e até ver, ainda não criminalizaram as ‘piadas de caserna’.

E esta diretiva governamental é só mais uma ridícula iniciativa da tal nova ordem que não sabe distinguir entre sedução e assédio, entre piropo e injúria, entre bom senso e pura estupidez.

Enfim, uma anedota sem piada alguma.

Mais vale aumentar o volume e ouvir Tom Jobim, Vinícius e João Gilberto, de preferência agradecendo a quem nos dispense uma cerveja fresquinha enquanto olhamos para as pessoas que passam.

Afinal, é bem mais humano.