Hospitais de Lisboa já sentem pressão

Beatriz Ângelo, em Loures, terminou a semana no limite de capacidade dos cuidados intensivos para doentes com covid-19. Amadora-Sintra e Curry Cabral abriram novas enfermarias. Falta de coordenação preocupa.

A pressão dos internamentos por covid-19 não tem aumentado à velocidade da primeira vaga da epidemia, mas nos hospitais da grande Lisboa tem aumentado a um ritmo maior, ao mesmo tempo que sobe a preocupação com o que está para vir nas próximas semanas. Soma-se a isto o esforço necessário para acomodar novos doentes, enquanto se procura manter a atividade programada, suspensa nos primeiros meses de resposta à covid-19. 

Ontem o secretário de Estado da Saúde reiterou que os hospitais do SNS funcionam em rede, gerindo a sua própria capacidade mas utilizando os hospitais à sua volta e a sua rede de referenciação. «Existem sempre alternativas e a ideia é que ninguém fique efetivamente sem capacidade de internamento, seja naquele hospital ou noutro», sublinhou, fazendo um ponto de situação para Lisboa e Vale do Tejo: ontem estavam internados nos hospitais da grande Lisboa, Ribatejo e margem Sul 364 doentes em enfermarias dedicadas à covid-19 e 68 em unidade de cuidados intensivos. «Há ainda capacidade. Recordo que já tivemos momentos diferentes e já foi demonstrada a flexibilidade em relação a camas. Há cerca de 6000 camas na região de Lisboa e Vale do Tejo. O sistema reagirá de acordo com as necessidades que forem surgindo», garantiu Diogo Serras Lopes.

No final da semana passada, a ministra da Saúde indicou que havia 553 camas afetas à covid-19 nos hospitais de Lisboa e 85 para cuidados intensivos. Ao longo da semana a Administração Regional de Saúde explicou ao jornal i que em alguns casos a capacidade já foi aumentada. Ainda assim, pelo menos na região de Lisboa, chega-se à primeira semana de outubro com uma ocupação em torno dos 80%. É expansível, mas o nível de conforto com a nova fase da epidemia começa a baixar. «Estamos cheios para o que eram as capacidades iniciais», diz ao SOL o diretor do serviço de infecciologia do Hospital Curry Cabral, Fernando Maltez, que não tem dúvidas de que a pressão continuará a aumentar dada a subida diária de novos casos, com a maior fatia em Lisboa. O hospital abriu uma segunda enfermaria para doentes com covid-19, que são agora 70.

"Nem num país rico"

No Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, onde ontem havia cerca de 46 doentes internados com covid-19 em duas enfermarias e sete em cuidados intensivos, atingiu-se o limite de UCI para a covid-19, atendendo à resposta que também é necessária para os outros doentes, diz ao SOL Artur Vaz, presidente do conselho de administração do hospital. A saída de enfermeiros especialistas em cuidados intensivos, que ainda não foi possível contratar, reduz a capacidade prevista na primeira vaga, que foi de dez camas, explica. 

Artur Vaz diz que a enfermaria ainda tem capacidade. Em relação aos cuidados intensivos, pode ser necessário recorrer a outros hospitais caso haja novos doentes para internar. O mesmo já tinha acontecido com o aumento de casos em Loures no início do verão. Na altura, como agora, o processo devia ser mais ágil, até para rentabilizar melhor as camas disponíveis sem desperdiçar capacidades nuns hospitais ou sobrecarregar outros, defende o gestor. «Se é uma rede, é uma rede que não funciona. Não faz sentido quando existe necessidade termos de andar de capelinha em capelinha, a ligar de hospital em hospital, a perguntar se tem uma vaga em vez de haver uma gestão centralizada e articulada das vagas e dos doentes a cada momento. Que por exemplo se abra uma enfermaria para ter dois doentes se existir ainda disponibilidade noutros hospitais», questiona. «Não tentarmos gerir em rede as vagas disponíveis, rentabilizando a capacidade dos diferentes hospitais sem sobrecarregar mais uns que outros ou penalizar mais as populações de uns concelhos do que do que outros nem num país rico», conclui.

Fontes hospitalares ouvidas pelo SOL admitem que a ausência de uma entidade coordenadora é uma das preocupações neste momento perante a subida da pressão nos hospitais, um papel que já não existiu na primeira vaga da epidemia e que não foi assumido por exemplo pela estrutura que coordenou o planeamento da resposta nacional de cuidados intensivos. Agora, com a pressão esperada no internamento pelo próprio inverno, mais a epidemia da gripe, além da covid-19 e dos outros doentes, a ideia ganha maior premência. Fernando Maltez diz ao SOL não ver necessidade de tal coordenação, uma vez que os hospitais podem falar uns com os outros como até aqui. Já para Artur Vaz, não fazem sentido os telefonemas repetidos nem a gestão individual. «Estamos a desperdiçar tempo e recursos».

Durante a semana, em entrevista à SIC, a diretora do serviço de infecciologia do Hospital Amadora-Sintra, que todos os invernos costuma ficar mais congestionado, mostrou também preocupação com a trajetória crescente de casos e com a duplicação de doentes internados durante o último mês. Admitiu que haverá muito mais casos do que são detetados, o que se está a refletir na maior afluência aos serviços de saúde, em particular na região de Lisboa. Patrícia Pacheco defendeu que falta clareza nos dados transmitidos pela DGS, nomeadamente sobre a dinâmica da epidemia a nível regional e fez o ponto de situação no Amadora-Sintra. Já foi necessário abrir uma segunda enfermaria para doentes com covid-19, ocupadas as 30 camas inicialmente previstas. Ao SOL, já após o fecho da edição hoje nas bancas, a médica adiantou que as sete camas de cuidados intensivos dedicadas à covid-19 também estão ocupadas e não é igualmente possível aumentá-las por falta de enfermeiros, concordando com a necessidade de maior coordenação. O Amadora-Sintra passou assim para uma segunda fase de resposta de contingência à pandemia, disse na SIC Patrícia Pacheco. «Significa que estamos a perder resposta nas outras áreas», explicou. «Temo que a epidemia fique descontrolada e que não consigamos dar resposta aos doentes não covid-19 porque aos doentes com covid-19 vamos conseguir dar», afirmou a médica, classificando de «medíocre» a resposta do país neste momento à epidemia.

344 surtos ativos

Na conferência de imprensa de ontem da DGS, a diretora-geral da Saúde indicou que há 344 os surtos ativos no país, sendo agora a maioria na região de Lisboa (144), quando até aqui havia mais surtos identificados no Norte. No último mês os casos de covid-19 diagnosticados no país duplicaram em relação a agosto e a maior subida verificou-se na região de Lisboa. Ao todo, foram detetados 18 153 novos casos, dos quais 9067 na região de Lisboa (49%) e 6428 na região Norte (35%). Apesar disso, manteve-se o predomínio das infeções abaixo dos 50 anos de idade. Questionada pelo SOL sobre se têm aumentado os casos de transmissão comunitária em que não é apurada qualquer relação com outra pessoa infetada, numa primeira vaga da epidemia uma das linhas de alerta, Graça Freitas sublinhou que a maioria dos novos infectados (60%) continuam a ser ligados a cadeias de transmissão já identificadas ou surtos identificados logo nas primeiras investigações epidemiológicas. «É um número que ainda aumenta à medida que o inquérito epidemiológico vai refinando. De um momento para o outro pode mudar», disse Graça Freitas, sublinhando que, de momento, este não é o padrão dominante. «Dentro do quadro preocupante que temos de uma pandemia, é um quadro que ainda nos permite identificar cadeias, surtos e ligações entre as pessoas».

Mais casos acima dos 80

Esta semana tornou a aumentar a incidência de novos casos em idosos com mais de 80 anos, o grupo de maior risco. Desde o início da semana este grupo etário representou 8% dos novos casos. Há duas semanas eram 5%. Em setembro registaram-se já 2424 casos acima dos 70 anos quando em agosto tinham sido 946. Graça Freitas considerou que apesar de o risco de contágios intergeracionais ser agora maior, as variações têm sido pequenas. A diretora-geral da Saúde afastou para já um cenário de suspensão de visitas em lares e defendeu um equilíbrio entre a proteção e não ‘sequestrar’ os idosos, apelando às famílias para que deixem os familiares mais velhos sair à rua. É esperada a apresentação da nova estratégia de testagem, que poderá passar pelo uso de testes rápidos em lares e escolas.