Amy Coney Barrett. A juíza que vai tirar o sono aos liberais

Foi a escolha de Donald Trump para substituir RGB no Supremo Tribunal norte-americano e pode ser determinante para o fim da legalidade do aborto, do Obamacare e do porte de armas nos EUA. Amy Coney Barrett é mais um peão para os conservadores e promete tirar o sono aos liberais.

Amy Coney Barrett. A juíza que vai tirar  o sono aos liberais

A Juíza do Tribunal de Recurso do 7.º Circuito, em Chicago, é católica devota, trabalhou com o antigo juiz conservador Antonin Scalia (membro do Supremo Tribunal até à sua morte, em 2016) e já tinha sido apontada para esta instituição em 2018, quando a balança recaiu sobre Brett Kavanaugh. Amy Coney Barrett foi a escolha do presidente Donald Trump para ocupar a vaga no Supremo Tribunal dos EUA. Aos 48 anos, é a pessoa mais nova de sempre a exercer funções nesta instituição.

A notícia chegou um dia depois do caixão de Ruth Bader Ginsburg, antiga juíza do Supremo, que morreu no passado dia 15 de março, ter sido entregue à terra, numa cerimónia que aconteceu nos jardins da Casa Branca. 

A escolha não foi por acaso. Esta é a terceira nomeação de Trump para o Supremo Tribunal, dando assim uma maioria conservadora ao corpo de juízes, de seis contra três liberais. E o Presidente está à espera de que Barrett seja um peão útil para cumprir os seus planos mais controversos. «Há decisões que vão ser tomadas nos próximos anos pelo Supremo Tribunal que decidirão a sobrevivência da Segunda Emenda, da liberdade religiosa, a segurança pública e muito mais», disse Trump durante a cerimónia, concluindo que «não há ninguém melhor do que Amy Coney Barrett para cumprir» tudo isto. 

Discípula da escola conservadora 

Amy Vivian Coney nasceu no dia 28 de janeiro de 1972, em Metairie, nos subúrbios de Nova Orleães. O seu pai, Michael Coney, trabalhava como advogado da Shell Oil Company e a sua mãe, Linda, era professora de francês. Amy é a mais velha de sete irmãos. 

Estudou no liceu Dominicano de St. Mary, uma escola só para mulheres, e graduou-se em Rhodes College, universidade afiliada à Igreja Presbiteriana, e na Notre Dame Law School, onde concluiu o curso com as melhores notas. Foi nesta última universidade que conheceu o seu marido, Jesse M. Barrett, agora um representante legal privado, com quem teve sete filhos, inclusive dois adotados do Haiti.

O primeiro contacto de Barrett com o Supremo Tribunal aconteceu através de Antonin Scalia, ex-juiz que faleceu em 2016, de quem se tornou escriturária. Apesar de a juíza estar a substituir Ginsburg, na realidade ela é a herdeira ideológica de Scalia. «A sua filosofia judicial é também a minha», garantiu. Enquanto juíza, a sua forma de legislar mostra uma tendência originalista, ou seja, procura interpretar a os significados originais de cada lei, o que, segundo uma ala mais liberal, é um método demasiado rígido e que não permite que a constituição se adapte a contextos modernos. 

Uma igreja ‘preocupante’

Apesar de a juíza ter afirmado perante o tribunal que as suas crenças não iriam comprometer o seu julgamento, há quem tema a veracidade desta afirmação. É que Barrett é membro da comunidade ultraconservadora católica People of Praise.

Ativistas mais conservadores defendem que é errado julgar as competências de Barrett com base nas suas crenças, contudo, outros escritores católicos, citados pelo Guardian, defendem que o secretismo da People of Praise é algo a ter em conta. «Se People of Praise chega a um nível de culto, eu não estou em posição de julgar», disse ao jornal inglês a diretora executiva da National Catholic Reporter, Heidi Schlumpf. «Mas há um nível de secretismo que pode ser preocupante e há um nível preocupante de pessoas que abandonaram esta instituição autoritária».

Neste grupo, os homens são «chefes» e possuem autoridade total sobre as suas esposas, que, por exemplo, não têm o direito a negar ter relações sexuais com o marido nem de controlar a sua capacidade reprodutiva. As mulheres são conhecidas como «criadas».

Esta terminologia, handmaiden em inglês, gerou imediatas comparações com o livro e a série distópica The Handmaid’s Tale, onde um grupo de mulheres é forçado a viver como concubinas. Paralelismos que obrigaram, inclusivamente, a Igreja a mudar o termo.

Uma ex-membro do People of Praise, Coral Anika Theill, que escreveu um livro sobre esta experiência, Bonsheá: Making Light of the Dark, opôs-se à decisão da escolha de Barrett e descreveu este grupo como «uma seita abusiva em que as mulheres são completamente obedientes aos homens e os pensadores independentes são humilhados, interrogados, envergonhados e rejeitados», cita o Globo.

A escolhida de Trump

Barrett foi professora de Direito até 2017, ano em que Trump a nomeou para o Tribunal de Recurso do 7.º circuito (Indiana, Illinois e Wisconsin). Não tinha experiência prévia no ramo jurídico.
A sua nomeação levantou preocupações na ala democrata da política norte-americana, que teme as posições da juíza em relação a assuntos como o plano de saúde, o porte de armas e o aborto, visto que esta pode oferecer um peso determinante na balança na revisão de Roe vs Wade (lei que permite o aborto legal nos Estados Unidos) e do Obamacare.

A escolha de Barrett para o Supremo Tribunal acontece numa altura em que as eleições norte-americanas, marcadas para 3 de novembro, estão ao virar da esquina. Esta opção de Trump foi imensamente criticada. E a própria RGB, no leito da sua morte, disse que o seu último pedido era que o seu substituto fosse apenas escolhido depois das eleições, sabendo que o seu sucessor poderia vir a moldar a justiça e política dos Estados Unidos nos próximos anos. 
O cargo de Juiz do Supremo Tribunal é vitalício e, caso o Governo mude de direção, de republicano para democrata, liderado por Joe Biden, um tribunal composto maioritariamente por juízes tribunais pode ser um entrave na aprovação de algumas medidas. E não só. «Arriscamo-nos a ver muitos direitos dos quais dependíamos a tornarem-se mais difíceis de aplicar na realidade», disse ao Guardian a vice presidente da National Women’s Law Center, Emily Martin.