O poder político não pode intrometer-se na Educação

O manifesto divulgado com o nome ‘Em defesa das liberdades de educação’ gerou controvérsia nos meios de comunicação, com governantes envolvidos. Os adeptos da ditadura do pensamento oficial, politicamente correto, reagiram alegando, entre outras coisas, que a «cidadania não é facultativa», que é uma disciplina onde os alunos aprendem a «prevenção rodoviária», a «não roubar,…

Por Fernando Mayone Martins

Médico

O manifesto divulgado com o nome ‘Em defesa das liberdades de educação’ gerou controvérsia nos meios de comunicação, com governantes envolvidos. Os adeptos da ditadura do pensamento oficial, politicamente correto, reagiram alegando, entre outras coisas, que a «cidadania não é facultativa», que é uma disciplina onde os alunos aprendem a «prevenção rodoviária», a «não roubar, não estragar, não andar à pancada», etc. Que farsa! 
O núcleo da questão, como todos percebem, é a liberdade de as famílias escolherem para os seus filhos o tipo de educação que pretendem transmitir-lhes em áreas tão importantes para a formação da sua personalidade como a identidade sexual e o amadurecimento da vida afetiva. Questões essenciais para a vida toda que se decidem, tantas vezes, na infância e adolescência! 

Na base do pensamento oficial, que se pretende tornar obrigatório, está a pretensão da ideologia de género de que a natureza da identidade sexual é o resultado cultural de relações de domínio e sujeição, opressão e submissão. Uma pretensão falsa e aberrante! 
Sob o pretexto da educação para a igualdade de género, não descriminação, etc., inserida entre temas inócuos, esta doutrinação infiltra dúvidas no espírito das crianças quanto ao reconhecimento das diferenças óbvias entre os sexos e fomenta a perturbação na imagem e identificação que cada um faz de si próprio. 

Ora, a Educação sem interferência do Estado é um direito natural que a Constituição consagra de forma explícita ao garantir a liberdade de educação e proteger a escola da «intromissão do Estado, e do poder político, na programação da educação e da cultura, segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas» (art.º 43, n.º 2).  Este direito é, porém, inúmeras vezes atropelado na prática. Recordem-se as normas que pretendem viabilizar a opção pela mudança de género aos 16 anos, sem intervenção ou conhecimento dos pais, a apresentação de um famoso ‘Questionário referencial da educação para a saúde’, as aulas entregues a ativistas LGBTI, inclusive apelando a quotizações, etc. Os casos multiplicam-se em ações de educação ‘para a cidadania’ e ‘para a saúde’, com nomes neutros que não passam de tentativas de manipulação das mentalidades. É chocante a subserviência do nosso poder político à ideologia de género em voga internacionalmente. 
Do que se trata, portanto, é de uma luta pela liberdade. 
E cabe destacar que os menos livres, os mais desiguais são, como de costume, os mais desfavorecidos. 

Acresce que, com as limitações impostas aos ‘contratos de associação’, são cada vez menos as famílias que, percebendo a manipulação, podem optar pelos estabelecimentos de ensino onde prefeririam colocar os seus filhos. 
Há os que não podem, ou porque não têm meios, ou porque não sabem, ou até porque temem a pressão totalitária. 
Não se submeteu a esta lógica a família de Famalicão, que entendeu não dever pagar duas vezes – ao Estado, com os impostos, e à escola, com as propinas – o ensino dos seus filhos e reclamar o respeito pelos seus direitos. 
Ora, o direito das famílias não exporem os seus filhos a um ensino que fomenta dúvidas e inquietações no âmago da sua identidade sexual e afetiva tem de ser igual para todos, no ensino público, no privado ou no cooperativo. 
A identidade sexual é definida geneticamente. E é evidente que a concordância entre a identidade física objetiva e a identidade subjetiva é essencial à coerência íntima da personalidade. Essa coerência faz parte dos requisitos básicos da unidade interior. Cada pessoa é uma só. 

O que define a identidade sexual é a natureza orgânica, física e até espiritual, mesmo que a orientação e a prática sexual se possam vir a afastar da identidade genética. E, à identidade estão associadas de forma inequívoca as inclinações e afetos, os ideais e desejos mais profundos. 

O fomento da dúvida em fases cruciais do desenvolvimento promove perplexidades e inseguranças, ansiedades e angústias. Estas abrem o caminho à divisão interior onde a personalidade carece de inteireza, à ambiguidade onde faz falta o equilíbrio, à ambivalência onde é precisa consistência e solidez. O potencial de ficarem marcas indeléveis é enorme. 

A educação é muito mais do que a instrução cívica, que ninguém discute. Deixar a formação da personalidade nestas matérias à mercê de disposições totalitárias, impostas dissimuladamente pelo Estado, atraiçoa escandalosamente as crianças, os pais que legitimamente as representam e a sua liberdade.