Crónica dos bons malandros

O Governo existente não tem maioria e precisará de aprovar o orçamento. Quem o tem apoiado até aqui exige influenciar o documento e as políticas. Sabe, porém, ter limites.

Apesar de todo o ruído, que é muito, não consigo descobrir motivos de entusiasmo, vertigem pelo desconhecido, temores noturnos.
O que se passa é um caso muito simples.
O Governo existente não tem maioria e precisará de aprovar o orçamento.
Quem o tem apoiado até aqui exige influenciar o documento e as políticas.
Sabe, porém, ter limites.
As suas propostas agravam o equilíbrio, contribuem para o aumento da dívida ou afetam negativamente a economia.
E sabe, também, que, num período como este, lhe é penoso estar com o Governo na gestão do mal estar social, do desemprego, da recessão económica.
Portanto só pode exigir o impossível, no caso do PCP, ou o permissível, no caso do Bloco de Esquerda.
O primeiro personificará o aguilhão da esquerda, o segundo o grilo falante.
Não ignoram que a sua força é o aprisionamento do PS na sua teia. A estratégia da aranha, portanto.
Sem eles o PS ficaria nu e o seu poder desaparecia.
E porquê? Porque o PS ficaria nas mãos do PSD e o cenário inovador ruiria.
Não custa imaginar como o PS percebe muito bem tudo isto.

A declaração feita pelo primeiro dos ministros de que, no dia em que o PS dependesse do apoio do PSD, o seu Governo acabava é o exemplo mais certeiro.
Mas, ao mesmo tempo, funciona como uma ameaça, como um ultimatum, como uma condicionante.
Acabada a oportunidade deste Governo, acabava o papel da esquerda esquerda.
Por isso o PS a procura tranquilizar tratando, em público, abaixo de cão, o PSD.
Mas como sabe que tanto necessita de um seguro de vida como de um apoio para políticas europeias fundamentais, no silêncio dos gabinetes, faz acordos secretos.
A solução para as CCDR é um exemplo claro disso mesmo.
Anuncia-se uma eleição, combinam-se os resultados e estes são uma divisão entre os dois.
Não se escuta um queixume dos apoiantes do Governo.
Mas, mais claro ainda do que este caso é o resultante da vinda da Presidente da Comissão Europeia.
Foi um momento alto.

O Governo promove o programa português, Ursula vOn der Leyen patrocina, o primeiro dos ministros espanta.
Como se fosse a opção mais natural do mundo, o primeiro dos ministros responde à chamada de atenção da Presidente quanto ao endividamento, anunciando que irá utilizar apenas as verbas a fundo perdido. 
Porque não quer aumentar a dívida, afirma.
Portanto, adia, ou congela, ou recusa 15 mil milhões de euros.
E, perante isto, o que se ouve da esquerda esquerda? Nada.
Logo, assumem um limite, fazem de conta, esquecem as exigências, deixam-nas cair pelo caminho.
 Assim sendo, a ameaça da crise política é um tigre de papel
As propostas e as contrapropostas um exercício de hipocrisia.

O PSD, expulso do Governo da cidade, nem sequer tem utilidade marginal. Está fora.
Les jeux sont faits.
As questões resumem-se a dois pontos: um novo apoio social irrecusável se alguém quereria lutar com êxito contra a covid nas periferias metropolitanas, a substituição do Governo pelos outros Bancos no caso BES.
No primeiro caso, o dinheiro europeu pagará, no segundo os portugueses serão chamados a cobrir as perdas.
Não, não é preciso convencer ninguém, o orçamento passará.
A encenação não ultrapassa a de uma peça de terceira categoria.