Covid-19. Rastreio de contactos de pessoas infectadas com atrasos

Aumento de casos está a dificultar a realização dos inquéritos epidemiológicos no prazo previsto. Equipas de saúde pública não têm pessoal suficiente para trabalhar a 100% ao fim de semana. ‘Há meses que dizemos que as equipas têm de ser reforçadas’, diz Ricardo Mexia.

O aumento de casos de covid-19 está a levar a uma maior demora na realização das investigações epidemiológicas que procuram travar possíveis cadeias de transmissão. Fontes ouvidas pelo SOL admitem que nesta altura existem centenas de inquéritos no país que ultrapassaram o prazo de 12 horas em que deviam ter sido iniciados após ser confirmado um caso positivo, em particular em Lisboa e nos concelhos onde se tem verificado uma maior subida de casos como Sintra, Loures mas também em Almada-Seixal.

Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, diz não ter dados sobre o número total de inquéritos pendentes mas confirma que as unidades estão a ter maior dificuldade de resposta, o que tenderá a aumentar os inquéritos com atraso. «Há meses que alertamos que é necessário reforçar as equipas para rastreio de contactos. Os reforços que tivemos no verão em Lisboa já regressaram aos locais de origem», diz Ricardo Mexia, alertando que a falta de capacidade para realizar inquéritos epidemiológicos em tempo útil nesta fase de crescimento da epidemia pode potenciar a transmissão. «Se não são feitos naquele dia, têm de ficar para o dia seguinte. É mais um ou dois dias em que pode continuar a haver transmissão ativa porque não se fez a identificação dos contactos e não se indicaram as medidas», explica.

Com a subida dos casos diários nos últimos dias, a pressão tornou-se maior para as equipas, em particular em Lisboa e no Norte, onde têm sido detetados a maioria dos novos casos. Ricardo Mexia diz que era expectável que o país passasse o patamar dos mil casos diários, sobretudo numa semana com um feriado, dia em que podem ter diminuído as notificações feitas pelos laboratórios. Ainda assim, o aumento foi significativo nos últimos dois dias – que passaram a ser respetivamente o segundo e terceiro dia com mais casos reportados desde o início da epidemia do país – e durante o fim de semana poderão ficar ainda mais inquéritos pendentes, admite o médico.

As unidades de saúde pública não têm elementos suficientes para trabalhar a 100% ao fim de semana, o que se mantém desde o início da epidemia. «Mesmo que as pessoas estivessem disponíveis, não existe pagamento de horas extraordinárias e teriam sempre de folgar durante a semana», explica Ricardo Mexia. A associação tem apelado para que haja reforços, defendendo que não têm de ser médicos de saúde pública, podendo ser outros técnicos ou profissionais de saúde com formação. Quanto a médicos, o concurso para a colocação dos novos especialistas em saúde pública que terminaram a especialidade em julho está na reta final e os novos internos da especialidade iniciam a formação pós-graduada em janeiro.

O SOL procurou perceber junto do Ministério da Saúde se foi identificado um agravamento no tempo de resposta para realização de inquéritos epidemiológicos e se está previsto algum reforço das equipas das unidades de saúde pública mas não teve resposta até ao fecho desta edição. 

Na conferência de imprensa desta sexta-feira a questão não foi suscitada. A diretora-geral da Saúde, questionada sobre surtos em ‘bodas, batizados e banquetes’, indicou que nos casos detetados nos últimos dias, 67% dos casos foram associados a confraternizações familiares como estas, fazendo o apelo para que se evitem festas nesta altura. «O que verificamos é que estas confraternizações familiares, estes festejos, a propósito de um batizado, de uma boda, do que for, têm sido responsáveis por 67% dos casos reportados nos últimos dias em Portugal. Quando as autoridades de saúde fazem uma investigação epidemiológica, encontram esse tipo de convívio. Por isso fica aqui um grande apelo às pessoas e às famílias para que nesta fase em que há transmissão do vírus na comunidade se coíbam deste tipo de convívios».

Decisões apontadas para a próxima semana

O Governo apontou para a próxima semana uma avaliação da necessidade de novas medidas, afastando de novo o cenário de um novo confinamento geral. Para Ricardo Mexia, existindo um padrão de infeções associado a determinados eventos, devem ser definidas medidas dirigidas a essas situações. O médico salienta no entanto que existem três eixos de resposta à pandemia: a adoção de medidas preventivas e comportamentos mais seguros, as condições de funcionamento dos diferentes setores e a capacidade do sistema de saúde, considerando que as restrições dos comportamentos dos indivíduos devem ser acompanhadas do reforço da capacidade do sistema, que na saúde pública considera que tem sido insuficiente. «A solução não pode ser apenas aumentar as restrições», afirma.

Máscaras, testes, transportes

Houve diferentes apelos ao longo a semana, desde o reforço da coordenação hospitalar ao reforço da sensibilização, passando pela recomendação mais veemente ou mesmo obrigatoriedade do uso de máscara ao ar livre, reforço da frequência de transportes ou uma maior capacidade de testagem e utilização de testes rápidos para rastreios periódicos aos grupos da população mais expostos. Esta ideia é defendida pelo pneumologista Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos e consultor da DGS. Em entrevista ao jornal i, o médico defendeu a necessidade de avançar com o rastreio de covid-19 em pessoas assintomáticas, testando idealmente todos os contactos de pessoas infetadas (sejam de alto ou baixo risco) e avançar com o rastreio periódico nos setores mais expostos, considerando que para isso é preciso reforçar a capacidade de testagem a nível nacional, recorrendo aos testes rápidos e aumentando a capacidade nacional de produção. Froes afirma que o país tem pouco tempo para implementar medidas que evitem um cenário de crescimento mais explosivo. «Estamos duas a três semanas atrás de Espanha, se tanto», alertou, sublinhando que o número de casos diários deve ser lido tendo em conta a dimensão do país: «Mil casos em Portugal, e serão mais, representam mais de 8 mil casos na Alemanha e perto de 5 mil casos em Espanha».

Esta semana o Governo anunciou o início de testagem preventiva em lares com mais de 50 pessoas, que será faseada em todo o país. Os testes rápidos estão já ser usados num posto fixo da Cruz Vermelha em Lisboa em parceria com o Centro de Diagnóstico Molecular do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM) mas ainda não foi apresentada a estratégia global de testagem, prevista no plano para o outono/inverno. 

O Governo já assegurou no entanto que a capacidade de testes está a ser reforçada também no SNS. Em setembro foi batido o recorde de testes no país e já este mês foi batido o recorde diário, com 28 mil testes realizados no dia 7 de outubro, revelou a ministra da Saúde. «Quase 8% foram positivos, terão havido algumas repetições de teste», adiantou Marta Temido. 

A taxa de positividade tem sido um dos indicadores usados para perceber a situação epidemiológica dos diferentes países: quanto mais elevada, maior indícios de disseminação da infeção. O indicador começa então em Portugal a dar sinais de agravamento da situação. Em Portugal, a taxa de positividade tem estado abaixo deste patamar, em torno dos 5%, e há países europeus onde neste momento é mais elevada. Em Espanha, tem estado acima dos 10%.