A traição de Marcelo

O recente saneamento do presidente do Tribunal de Contas veio provar, junto dos mais cépticos, algo que aqueles que não andam a dormir há muito sabiam: o Estado de Direito, em Portugal, hoje não passa de uma miragem!

Costa e os seus correligionários rebentaram com a independência e imparcialidade dos Tribunais, deixando o poder judicial, na sua maior parte, mas caminhando, apressadamente, para a sua totalidade, nas mãos dos actores políticos que tomaram de assalto todos os órgãos de soberania.

E virem invocar que não se tratou de uma demissão, mas sim apenas da não recondução do titular daquela instituição, ao abrigo de um suposto acordo com o inquilino de Belém, o qual estipularia mandatos únicos para os cargos desta natureza, é procurarem tomar-nos, a todos,  por tolos e parvos!

Vítor Caldeira foi corrido, sem apelo nem agravo, porque se atreveu a questionar as contas do Estado, melhor dizendo, as negociatas a que se têm dedicado as várias seitas socialistas, tanto no executivo nacional como nas autarquias, em particular na que gere a capital do País.

O demitido dirigente ousou mesmo denunciar os jogos de bastidores em curso que visam distribuir os fundos europeus, que brevemente entrarão nas contas do Estado, pelos amigalhaços de quem se prepara para os gerir, atrevimento esse que ditou a sentença do términos da comissão de serviço que estava a desempenhar com elevada competência e isenção.

Destino idêntico, tirado a papel químico, ao com que fora agraciada a anterior Procuradora-Geral da República, saneada igualmente por ter tido a coragem de enfrentar o polvo da corrupção que se instalou na administração pública, ousadia que teve o seu desfecho quando conhecidos socialistas começaram a ser convocados a sentar-se no banco dos réus.

Joana Marques Vidal tornara-se num entrave intransponível para as pretensões de Costa em instrumentalizar a Justiça, com o objectivo de a pôr ao serviço dos interesses partidários que sustentam a sua permanência nas funções das quais se apoderou, pelo que o afastamento daquela magistrada ficou traçado assim que as investigações supervisionadas pelo Ministério Público puseram a nu os podres de uma classe política vendida a negócios mafiosos.

Depois de bem controlada quase toda a comunicação social, que vergonhosamente se deixou comprar por esmolas com que Costa lhe acenou, faltava silenciar por completo o poder judicial, pelo que se aniquilou o último obstáculo que ainda resistia às investidas de quem se dedica a enriquecer às custas dos dinheiros que são pertença de todos.

Não foi suficiente mandar-se embora quem chefiava o Tribunal de Contas, tornou-se igualmente indispensável colocar no seu lugar um amigo da rapaziada socialista. A escolha recaiu, nada mais nada menos, do que em alguém comprometido com anteriores negócios ruinosos para o Estado, levados a cabo durante a vigência do socratismo.

Costa provou estar ao nível do amigo de quem foi braço direito, ultrapassando-o mesmo em eficácia e em ausência de pudor. Fica apenas a dúvida razoável de quem terá sido o mestre e de quem se revelou como seu discípulo! Se Costa terá aprendido com Sócrates ou se, pelo contrário, lhe ensinou tudo quanto sabia!

E enquanto o Estado de Direito definha, o mais alto magistrado da Nação, que normalmente continua a falar sobre tudo e mais alguma coisa, vício que ainda não perdeu dos tempos em que se destacava como comentador político, prima pelo silêncio perante estes atentados aos mais elementares direitos dos portugueses.

Mas pior do que estar calado, Marcelo tem sido um indiscutível cúmplice das tropelias de Costa e da sua entourage.

Também Marcelo se vendeu, não por bens materiais, acredita-se, mas sim pela ânsia de obter os necessários apoios para uma recandidatura sem sobressaltos inesperados.

O afastamento de Joana Marques Vidal e de Vítor Caldeira foi o preço que teve de pagar para poder contar com o voto de Costa. Um preço de valores incalculáveis para um País debilitado e a caminhar a passos largos para mais uma falência dos seus cofres.

Para a História, Marcelo não ficará apenas com o mero registo de ter concordado com os saneamentos de quem se bateu arduamente contra a corrupção. Será o seu nome, autenticado através da sua assinatura, a ser recordado como o autor das demissões em causa e das consequentes nomeações dos substitutos fantoches.

Por isso Marcelo emergiu como traidor.

Traidor para com o seu eleitorado, que o elegeu confiante de que estaria a depositar a sua confiança numa pessoa que os representaria com honestidade e os defenderia de eventuais violações à sua liberdade por parte do poder executivo.

Traidor para com a Instituição que representa, porque se demitiu de exercer o papel moderador e  imparcial que está atribuído constitucionalmente ao Chefe de Estado, constituindo-se numa simples marionete do chefe do governo.

Traidor à Pátria, porque colocou os seus interesse pessoais acima do bem nacional.

Marcelo não passa de uma fraude.

Infelizmente, e para mal dos nossos pecados, são as fraudes que têm saído vitoriosas nesta partidocracia que nos desgraça.

E por nossa culpa, de todos, porque as permitimos, ora por insistirmos em votar nos mesmos trapaceiros de sempre, ou por simplesmente nos calarmos.

Quando acordarmos, será demasiado tarde!