Lennon gostava de futebol

Teria feito, a 9 de outubro, 80 anos. Fará a 8 de dezembro, 40 anos que foi assassinado. Era de Liverpool: o jogo não lhe passava ao lado.

Há, no Brasil, em Goiânia, capital do Estado de Goiás, um jogador chamado John Lennon, defesa direito do Vila Nova, clube fundado por um padre, frei José Belestiere, e mergulhado nos dias que correm na Série C do campeonato brasileiro. O nome completo da figura é John Lennon da Silva Santos, natural de Araguaína onde viu pela primeira vez a luz do sol no dia 29 de dezembro de 1991. Houve um tempo em que Lennon prometia, chegou a jogar pelo Cruzeiro, mas depois foi perdendo a graça e acabou por deixar de surgir nas páginas dos jornais. Certo dia, contou: «O meu tio Zé Fernando era louco pelos Beatles. Quando nasci convenceu o meu pai a dar-me o nome de Jnhn Lennon, que era o seu preferido. É giro! Gosto. Para além de original, de cada vez que faço uma busca no Google aparece um montão de matéria sobre John Lennon. Só não sou eu. É o outro».

O outro, isto é, o autêntico, não nasceu em dezembro – nasceu a 9 de outubro de 1940, teria completado na passada semana 80 anos, quem diria!? – mas morreu em dezembro, no dia 8 de dezembro de 1980, completar-se-á daqui a pouco 40 anos sobre o seu estúpido assassinato por um canalha barato, Mark David Chapman, que resolveu dar-lhe quatro tiros nas costas pouco depois de John lhe ter autografado o seu último álbum, Double Fantasy. 

O Lennon de Araguaína, sobrinho do fã Zé Fernando, confessou numa entrevista que não estava nem aí para os Beatles. A sua onda é mais música sertaneja, Pena Branca & Xavantinho, Zé Carreiro & Carreirinho, Milionário & José Rico, Adolfinho & Chitãozinho e o diabo a quatro, que lhe faça bom proveito, não estou aqui para discutir gostos musicais. Mas o Lennon de Liverpool foi sempre muito dúbio em relação à afeição que sentia pelo association, mesmo vivendo a infância e adolescência numa cidade que faz do futebol uma espécie de pão de cada dia nos dai hoje. Quem gostava a sério de futebol e adorava o Liverpool FC, era o seu pai, Alfred, um marinheiro de ascendência irlandesa que passava o tempo embarcado e não tinha nem tempo para ir ver jogos a Anfield nem tempo para acompanhar os progressos de John na sua carreira musical. Apesar de ter herdado a preferência clubística do pai, quando resolveu ilustrar o seu álbum Walls and Bridges, de 1974, John Lennon escolheu um desenho que rabiscara aos 11 anos de idade e que representava um encontro entre Arsenal e Newcastle, mais precisamente a final da Taça de Inglaterra de 1952. Liverpool ficou de fora.

Lennon tinha jeito

Dizem os que os conheceram que Paul McCartney era o único que se dava verdadeiramente ao trabalho de apreciar futebol. Lennon gostava de dar uns toques na bola e o seu colega Pete Best (o baterista que viria a ser substituído por Ringo Starr) afirmou convicto que ele tinha mesmo jeito para o jogo, se calhar até mais do que o Lennon do Vila Nova, mas por aí se ficava: «Quando éramos garotos, no geral, ou queríamos ser futebolistas ou músicos. No nosso grupo, toda a gente preferiu a música. Mas é bem possível que John viesse a ter futuro como profissional, ainda que nada de por aí além».

Discute-se igualmente por entre o universo dos estudiosos dos Beatles qual deles resolveu colocar um jogador de futebol naquela extraordinária e psicadélica capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, datada de 1967. Albert Stubbins, prolífico avançado do Liverpool entre 1946 e 1953, entrou mesmo: está na terceira fila daquele nunca mais de personagens, metido no meio de um escultor americano, Horace Cliff Westermann, e de um daqueles gurus que a teimosia indiana de George Harrison não admitia discutir, Lahiri Mahasaya.Para equilibrar as contas entre os dois grandes rivais da cidade, Dixie Dean, goleador do Everton entre 1925 e 1937, esteve vai não vai para ficar igualmente para a história dessa assanhada loucura em forma de capa, mas acabou por ser preterido à última hora. Garantem alguns que Stubbins foi escolhido pelo nome: Lennon gostava da sua sonoridade. O facto é que entre os milhares e milhares de letras escritas pelos rapazes de Liverpool só em Dig It surge um nome relacionado à matéria, ainda por cima o de Matt Busby, lendário treinador do Manchester United, e apenas no jam final de vozes que vai escorrendo numa mistura sem sentido concreto: «A like a rolling stone/Like the FBI and the CIA/And the BBC/BB King/And Doris Day/Matt Busby/Dig it, dig it, dig it». Estaria Lennon disposto, se tivesse chegado aos 80 anos, a fazer-se fotografar nas bancadas de Anfield? Vá lá saber-se. Chapman riscou-o do resto da história. Já Harrison preferia o nonsense: «There are three teams in Liverpool and I prefer the other one». Pois. Era mesmo para não se perceber.