A máscara

Hábil, industrioso, inventivo, dentro em pouco nem o Governo conseguirá acreditar em si próprio. O Governo é a máscara.

Vamos falar claro.

O Governo tem conseguido fazer tudo o que quer com a maior facilidade mas, ao mesmo tempo, com a habilidade mais refinada.

Alguém é incómodo. Inventa uma questão maior, constrói um princípio, faz com que a inevitabilidade trate do assunto.

Condiciona o silêncio de todos, condói-se da saída.

Outro qualquer não convém. Trata de criar um perfil persecutório, explora as gafes, abre a porta ao modelo alternativo.

Com um sorteio repetido por n vezes, a substituição acontece com anormal normalidade.

Um ministro é conhecido pelo seu desafeto continuado a um presidente de um Banco. Depois de um longo processo de interrogações e dúvidas, o dito Presidente é substituído pelo ministro.

O cargo em causa é capital para a regulação e para o Governo. Muito bem, a solução é nomear como ministro um prévio secretário de Estado.

Uma procuradora é indicada por um júri europeu para um cargo importante. O Ministério escolhe outro, sem mais.

Um presidente de um tribunal que fiscaliza as contas do Governo exige, denuncia, incomoda. Um telefonema resolve o assunto. Acabou o tempo.

O Presidente é envolvido e todos coenvolvem o presidente do maior partido da oposição na substituição.

Sim, são todos estes casos um exemplo. As coisas que podiam correr mal, passam a correr bem.

Morre tudo no silêncio dos meios de comunicação social. Cansam-se, desistem.

Surge a questão orçamental e os seus derivados.

No auge da controvérsia, um anúncio extraordinário surge: o Governo iria baixar a incidência do IRS. E, curiosamente, muitos pactuaram com a novidade.

Percebeu-se que se tratava de uma ilusão. A retenção na fonte abranda, para alguns, e na altura oportuna virão a pagar.

Outro anúncio celebra o aumento das pensões, das menores. Sabe-se depois que é pequeno. Acrescenta-se que acontecerá em agosto e, portanto, que além de pequeno é reduzido a alguns meses.

Mas tudo isto é, apenas, uma série de exemplos, uma forma de vida.

Ao lado, o mais importante e significativo acontece.

As consequências da pandemia agravam-se. Mil, dois mil, três mil portugueses são infetados por dia.

Que sim, dizem. Aumentam os casos mas reduz-se a mortalidade percentual.

Mas o maior dos problemas esconde-se.

Os centros de saúde não conseguem responder a tudo, os hospitais contraem-se, os exames e as cirurgias adiam-se, as mortes não-covid aumentam.

Os números, os verdadeiros números não se esgotam nas desesperantes conferências de imprensa diárias. Faltam todos os outros.

Não, não se trata de ser antipatriótico. Antipatriótico é o que não diz a verdade toda, o que conscientemente ilude, esconde.

Sem outro recurso, os bastonários da Ordem dos Médicos reúnem-se e avisam.

A ajuda à TAP leva mais dinheiro do que o reforço do serviço nacional de saúde.

Como resposta, de um momento para o outro, a responsabilidade passa para o cidadão, deixa de se elogiar o sucesso do governo.

Quando? Quando os planos falham ou se não descobrem.

E, por mais capacidade que se tenha de tentar ultrapassar a realidade, de construir um novo normal, há um cansaço que nos invade a todos.

Hábil, industrioso, inventivo, dentro em pouco nem o Governo conseguirá acreditar em si próprio.

O Governo é a máscara.