A urgência de evitar ajuntamentos e alertar a população

Aglomerados de pessoas em eventos, tanto num jantar num clube privado, em Lisboa, como numa prova de Fórmula 1, no Algarve, preocupam especialistas. Ricardo Mexia diz serem necessárias medidas mais claras.

“Respeito” e “responsabilidade cívica” são dois dos pedidos do presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras, endereçados a quem organizou e esteve presente num evento que decorreu, a 15 de outubro, no JNcQUOI Club, um clube privado na Avenida da Liberdade, em Lisboa – espaço que tem, além do clube, dois restaurantes, um dos quais ligado à cultura asiática e outro de comida tradicional portuguesa, com dois pisos. Um “jantar com DJ” que juntou dezenas de pessoas e sobre o qual diz ter originado um surto de covid-19 em Cascais, criando depois várias “cadeias de transmissão”.

“Tudo o que seja minorar os riscos é uma obrigação de cidadania neste momento. Tive conhecimento dessa situação em Cascais por via de um conjunto de jovens, alguns deles menores, que ficaram infetados e depois, ao irem para outras festas de aniversário, acabaram por criar mais cadeias de transmissão, nomeadamente para familiares. E isso é algo que todos devemos evitar. Se não formos todos por todos não há solução para esta pandemia, que é algo que se pode tornar uma verdadeira catástrofe. É um respeito acima de tudo pelos outros. E é tentarmos apurar, cada um de nós, os valores éticos que têm de estar sempre presentes na nossa atitude”, começou por dizer Carlos Carreiras ao i, alertando também para o facto de esta não ser a primeira situação de contágio em Cascais nos últimos dias.

“O que vai na cabeça das pessoas que organizam estas festas só elas sabem, mas o alerta é para não fazer e não provocar situações de risco. No início da semana tínhamos tido outra situação, que foi também uma irresponsabilidade, num lar ilegal aqui no concelho. Estávamos com uma média que já é alta, de 40 casos por semana. Com a situação do lar, aumentámos para mais de 60 e agora com a festa aumentámos para mais de 80. É bom ter noção de que quando começamos a atingir estes números, todo o sistema começa a ser posto numa situação crítica”, atirou.

Questionada pelo i, fonte oficial do JNcQUOI Club garantiu, porém, que “todas as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) foram cumpridas” e que só tiveram conhecimento de uma pessoa que marcou presença no jantar e testou positivo à covid-19, garantindo ter havido contacto por parte do clube com todos os que estiveram no evento “para recolher informação sobre o seu estado de saúde”.

No entanto, apesar de sublinhar que tudo decorreu segundo as regras estabelecidas, o clube reconheceu que, à semelhança do que aconteceu em março, “não hesitará em voltar a encerrar portas caso avalie que essa medida se revele necessária face à propagação da doença em Portugal”.

Regras de saúde ‘com coerência’

Além de ter alertado para a não realização de festas ou outros eventos que possam propagar o vírus, Carlos Carreiras apelou ainda às autoridades de saúde para que sejam claras na mensagem que é transmitida à população.

“Deve haver uma decisão por parte das autoridades com coerência, porque muitas das vezes ficamos confundidos com essas mesmas decisões. É um alerta, subscrito também pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que alertou para o que aconteceu no evento de Fórmula 1, em que se viu um ajuntamento de pessoas nas bancadas”, aludindo às imagens que circularam nas redes sociais que dão conta do incumprimento do distanciamento social e do uso obrigatório de máscara, no sábado, em duas das onze bancadas para assistir ao Grande Prémio de Portugal, em Portimão, que se realizou entre sexta-feira e ontem, e no qual foi permitido um máximo de 27500 pessoas – o último dia de prova contou com reforço de segurança. Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, é isso mesmo que falta:_rigor nas regras para travar a propagação da pandemia.

“No momento em que estamos, não é bom estar a proporcionar ajuntamentos entre pessoas, principalmente pessoas que não estão a usar máscara, com todos os riscos que isso acarreta. Com a proximidade num evento, é muito difícil evitar a disseminação da doença. A probabilidade de encontrarmos alguém doente, ainda que assintomático, acaba por ser superior àquela que tínhamos há dois ou três meses”, atirou, deixando claro que a DGS tem de passar informações transparentes sobre o que tem de ser feito pela população.

“Para o ajuntamento de pessoas falta, de facto, existir uma regra para que as pessoas percebam o que é que se pode fazer e o que é que não se pode fazer. Quando as regras não existem acaba por haver um certo sentimento de incompreensão, ou seja, as pessoas têm de perceber porque é que determinados eventos podem realizar-se e outros não. Porque é que os casamentos só podem ter no máximo 50 pessoas e podem juntar-se quase 30 mil pessoas noutro evento? Têm riscos diferentes, mas não é fácil comunicar isso e as pessoas perceberem essas assimetrias”, concluiu.

A informação que chega, por isso, às pessoas é fundamental. Para Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, há que “esclarecer” os portugueses que “as pessoas não podem estar juntas”.

“Não há possibilidade e não é seguro, além das pessoas da nossa casa. É a única célula relativamente segura. Todas as pessoas que estão juntas nestas características estão em risco. Qual é a parte que não se percebe? Não sei se a DGS cometeu um erro, mas as pessoas têm de estar distantes e com máscara.”, sublinhou ao i, reforçando ainda a questão dos assintomáticos. “Cinco ou dez vezes mais pessoas têm o vírus e nós não sabemos. Os números que ouvimos todos os dias são apenas os casos conhecidos”, rematou.