Afinal estamos ou não mais egoístas?

Dizer que a pandemia trouxe alguma coisa de bom é para mim quase um crime, tendo em conta todo o impacto na vida das pessoas e a morte de tantos.

Mas muito se ouve por aí dizer que as pessoas aprenderam a valorizar o que é realmente importante, a pensar mais nos outros, a desligar-se de uma rotina louca, a pensar mais no ambiente, a descobrir-se… mas será que isto é mesmo assim?

Ou terá sido apenas uma fase em que fomos obrigados a isso? Até que ponto é que a cultura do eu não está mais ao rubro do que nunca?

Não quero ser negativa ou deseperançosa numa sociedade que, mais do que nunca, se deve organizar e entreajudar. Estamos todos naturalmente preocupados com os mais velhos, com a nossa família, os grupos de risco e aqueles de quem mais gostamos, mas também muito connosco e como reagimos a tudo isto.

A saúde mental está cada vez mais na ordem do dia e há uma lista gigante de consequências da pandemia que paira no ar, paralela a todas as outras questões.

É neste limbo entre o ‘eu’ que quer e deve cuidar de si e centrar-se no que o pode fazer sentir bem e o ‘eu’ que pode e deve-se preocupar com os outros e dar o melhor de si para ajudar a comunidade que hoje vivemos.

Quase que poderíamos dizer, começando a virar agora o discurso para o marketing e para a comunicação, que o consumidor está até um pouco dividido… entre o que quer para si e o que quer para os outros.

É certo que as marcas correspondem em momentos difíceis com ações de solidariedade e iniciativas pensadas para ajudar a comunidade, às quais os próprios consumidores se juntam.

Esta é claramente uma vontade do consumidor: apostar em marcas mais responsáveis socialmente e que têm um propósito e relevância na sociedade. Mas será esta vontade uma forma de ‘mascarar’ o egoísmo que vivemos? Ao mesmo tempo que assistimos a grandes gestos de solidariedade nas fases mais complicadas, assistimos também a uma cultura do ‘eu’ exacerbada pelas redes sociais e por uma constante exposição da nossa e das vidas dos outros.

E com um consumidor cada vez mais complexo (dizem os estudos que mais certo do que quer, mas essa seria outra discussão) como devem atuar as marcas?

De forma simplista, também as marcas se devem dividir e preocupar em satisfazer as necessidades do consumidor único e ciente do que quer e precisa, mas ao mesmo tempo não esquecer o que podem fazer pelo todo. Mais do que nunca é neste equilíbrio que devem atuar e preparar as suas estratégias dando resposta a esta dicotomia tão própria dos nossos tempos. Nunca tivemos tão atentos aos outros, ao ambiente, ao planeta, aos direitos humanos… mas também nunca tivemos tão centrados em nós, na meditação, no self-care, no self-love, na selfie-era.

E são as marcas que consigam ser relevantes em ambos os contextos, percebendo bem a complexidade do ser humano e dos seus desejos que mais se destacarão.

Uma coisa é certa, com os números a piorar, ambas as dimensões são muito importantes: trate de si e trate também dos outros.

 

*Diretora Criativa Havas Sports & Entertainment