Casa onde não há pão…

Recorde-se que a Direção-Geral da Saúde é tutelada pelo Ministério da Saúde – não é, como o Banco de Portugal, uma entidade independente –, e o que a diretora-geral diz é necessariamente coordenado com o Governo, ou seja, com a ministra e com o primeiro-ministro.

No PS está a gerar-se uma onda de contestação (que vem de longe…) à diretora-geral da Saúde, Graça Freitas – e, por tabela, à ministra da Saúde, Marta Temido.

Mais uma vez, António Costa fica fora da polémica – como aconteceu nos incêndios de Pedrógão ou no roubo de Tancos.

E é mesmo capaz de, caso a pressão aumente, dispensar Marta Temido e Graça Freitas, para se livrar do problema – como aconteceu com Constança Urbano de Sousa na sequência dos incêndios.

Costa é perito em não se deixar chamuscar quando as coisas correm mal.

Sucede que Marta Temido e Graça Freitas não agem nem falam por sua alta recriação.

Na questão mais importante que o Governo tem para resolver, António Costa não iria deixar as coisas entregues aos estados de alma da ministra e da diretora-geral.

Recorde-se que a Direção-Geral da Saúde é tutelada pelo Ministério da Saúde – não é, como o Banco de Portugal, uma entidade independente –, e o que a diretora-geral diz é necessariamente coordenado com o Governo, ou seja, com a ministra e com o primeiro-ministro.

Quer Marta Temido quer Graça Freitas são apenas porta-vozes da política definida pelo Governo.

É pois a António Costa que os socialistas descontentes devem pedir responsabilidades.

E se não o fazem – exigindo antes a demissão da diretora-geral, da ministra da Saúde, ou de ambas – é por cobardia.

Tendo medo de atacar António Costa, atacam os ‘elos mais fracos’.

Posto assim o problema, cabe voltar um pouco atrás e fazer uma pergunta: mas o Governo tem lidado tão mal com esta questão que sejam necessárias medidas drásticas?

É óbvio que se têm cometido erros.

É óbvio que houve (e há) situações incompreensíveis, incoerências, facilitismos em certas questões e excessos de autoridade noutras, etc.

E o próprio António Costa tem adotado uma atitude algo errática.

Hesitou, primeiro, sobre o uso ou não de máscara (aliás, em consonância com a Organização Mundial de Saúde).

Hesitou, depois, quanto ao decretar do estado de emergência e o confinamento geral, acabando por fazê-lo por pressão do Presidente da Republica (e arrastado pela própria opinião pública).

Mais tarde, assustado com as terríveis notícias da economia, apelou ao desconfinamento rápido, mostrando-se inclusive a almoçar em restaurantes e indo ao espetáculo do cómico Bruno Nogueira no Campo Pequeno.

E agora tem garantido que não voltaremos ao confinamento geral, percebendo que isso será o fim do que ainda resta de economia, optando por confinamentos parciais (embora se perceba que, se a pressão da sociedade, dos media e do Presidente aumentar muito, poderá acabar por ceder).

António Costa tem andado um pouco a reboque dos acontecimentos.

Mas eu pergunto: poderia ser de outra maneira?

Fazer prognósticos depois dos jogos, é fácil; fazê-los antes, é dificílimo.

Num caso como este, seria possível traçar com antecedência uma política clara e coerente e levá-la até ao fim sem alterações?

Mais: alguém honestamente pode dizer que, se estivesse no lugar de António Costa, teria feito melhor?

Ter a responsabilidade de decidir num problema como este, que mexe com o principal fantasma das sociedades ocidentais – o medo da morte –, é terrível.

E assim, muito mais do que filosofar sobre a pandemia e sobre o melhor modo de lidar com ela, há que olhar para os resultados: e estes mostram inquestionavelmente que, dos países que nos são geograficamente próximos, Portugal é o que apresenta melhores números.

Com todos os erros, Portugal está incomparavelmente melhor do que a Espanha, a França, a Itália, a Bélgica…

Não podemos pois dizer que o Governo esteja a fazer um mau trabalho.

Resumindo e concatenando, a demissão da diretora-geral da Saúde e de Marta Temido, além de não fazer qualquer sentido, seria tremendamente injusta – porque faria delas as responsáveis por muitas mortes com as quais nada têm que ver.

Com outras pessoas naqueles lugares, a situação não seria diferente para melhor.

E têm desenvolvido um tremendo esforço físico (e psíquico) para manter os portugueses informados, o que é de louvar.

Claro que o país está naquela situação das casas onde não há pão: todos ralham e ninguém tem razão.

Mas é nestas alturas que é preciso manter a cabeça fria.

A emoção nunca foi boa conselheira.

 

P.S. – Agita-se a hipótese de o SNS ‘rebentar’, se o número de hospitalizações aumentar muito. Mas, que diabo! Não há hospitais privados? Não pode o Estado, nesta situação de emergência, fazer um protocolo com os privados para tratamento de doentes covid e não covid, a preços não especulativos? No país, a capacidade hospitalar não se esgota no SNS…