Pandemia leva a menos cirurgias programadas, urgências e consultas hospitalares

O alerta é dado pelo Tribunal de Contas que faz uma análise dos serviços prestados pelo SNS entre março a maio.

Foram realizadas menos 58% das cirurgias programadas (93300), a atividade dos serviços de urgência hospitalares caiu 44% (683 389 atendimentos) e as primeiras consultas externas médicas hospitalares registaram um decréscimo de 40%, (364 535 consultas) entre março a maio nos prestadores do SNS. A conclusão é do relatório Covid-19 – O Impacto na Atividade e no Acesso ao SNS realizado pelo Tribunal de Contas.

A entidade agora liderada por José Tavares justifica esta queda com “as medidas de contingência implementadas no setor da saúde incluíram o adiamento da atividade programada (não urgente) desenvolvida no SNS, como forma de conter a evolução do contágio e de garantir a existência de capacidade instalada para fazer face às situações de doença por COVID-19. Por outro lado, devido ao receio da população também levou à diminuição da procura dos serviços de saúde, incluindo os urgentes”, diz o documento.

Ao mesmo tempo, chama a atenção para o recurso à teleconsulta que considera ter sido “relevante para conter a redução da atividade presencial nos cuidados de saúde primários (aumento de 83% das consultas não presenciais ou inespecíficas, passando a representar 65% do total), embora nos cuidados de saúde hospitalares a realização deste tipo de consultas se tenha mantido residual.

O relatório indica que as novas inscrições de utentes para consulta externa hospitalar (referenciadas pelos cuidados de saúde primários) e para cirurgia reduziram-se “acentuadamente”. E dá números: “Até maio de 2020, foram feitos apenas 67% dos pedidos de consulta e realizadas 42% das inscrições para cirurgia ocorridas no período homólogo de 2019”.

No entanto, lembra que as medianas dos tempos de espera dos utentes em lista agravaram-se, entre 31 de dezembro do ano passado a 31 de maio deste ano, nas consultas externas, de 100 para 171 dias, com cerca de 69% dos inscritos no final de maio a aguardar para além dos tempos máximos de resposta garantidos (TMRG). O mesmo cenário repetiu-se nos inscritos para cirurgia, de 106 para 147 dias, com cerca de 43% dos inscritos no final de maio a ultrapassar os TMRG.

“Verificou-se alguma deterioração do cumprimento do TMRG nas cirurgias realizadas em maio de 2020, ainda que se mantivesse relativamente próximo dos valores registados em anos anteriores. Nas cirurgias mais urgentes (prioridades 3 e 4, doença oncológica e não oncológica), o cumprimento dos TMRG melhorou, reflexo do foco da atividade nestes doentes, face aos menos urgentes”, garante o documento.

O relatório chama ainda a atenção para o facto da retoma da atividade não urgente no SNS ter sido enquadrada por despacho publicado a 2 de maio, que determina medidas potencialmente promotoras de uma mais eficaz e eficiente alocação dos recursos, ainda que existam riscos quanto à sua concretização. “No mês de junho de 2020, os resultados da retoma da atividade não se revelaram uniformes. Verificou-se uma recuperação parcial dos níveis de produção de consultas e cirurgias programadas em algumas unidades hospitalares, mas, na generalidade das unidades, a produção manteve-se inferior à realizada em 2019”.

E foi mais longe: “A recuperação da atividade não realizada por força da pandemia COVID-19 terá que ocorrer num contexto de cuidados adicionais na prática clínica, com o risco de a capacidade instalada no SNS não ser suficiente para fazer face a este acréscimo de procura sem o aumento acentuado dos tempos de espera. Tal recuperação pode justificar a criação extraordinária de incentivos específicos no sistema de financiamento do SNS, além do uso que o Ministério confira a todos os mecanismos já existentes e sem prejuízo do seu reforço, como já ocorrido pela majoração dos incentivos à produção adicional no Serviço Nacional de Saúde”.

O relatório do Tribunal de Contas sugere que, após o confinamento geral decorrente do estado de emergência “poderá ser oportuno proceder a um reconhecimento no Serviço Nacional de Saúde das melhores práticas administrativas de reorganização dos serviços, bem como a revisão e o ajustamento de planos de contingência, de modo a conhecer e avaliar o “trade-off” da afetação de recursos ao tratamento dos doentes com covid-19, face às necessidades de diagnóstico e tratamento de outras doenças, ainda que não urgentes”.