A morte das sondagens

As sondagens falharam de novo nos Estados Unidos. Uns falam na timidez dos apoiantes de Trump, outros dizem que ninguém atende o telemóvel.

Mais uma vez, as grandes derrotadas das eleições nos EUA são as sondagens. Seja qual for o resultado final, ganhe Joe Biden ou Donald Trump, a projetada maré democrata nunca chegou. Em vez disso assistimos a umas eleições no fio da navalha. “A indústria das sondagens é um desastre”, chegou a escrever o Politico, esta quarta-feira, numa newsletter particularmente cáustica. “E devia ser rebentada”. 

Parte da discrepância pode ser justificada pela complexidade do sistema eleitoral dos EUA, que dá o total de votos de um estado ao vencedor. Contudo, as sondagens nacionais não se saíram muito melhor que nos swing states. Na manhã de 3 de novembro, uma compilação de sondagens da RealClearPolitics dava uma estrondosa margem de 7,4% a Biden; horas depois, ficava claro que margem real seria pouco acima dos 2%.

Para muitos que não esquecem 2016, quando Hillary Clinton acabou derrotada mesmo com as sondagens a seu favor, esta é mais uma confirmação do chamado “eleitor tímido de Trump”. Ou seja, “numa América em que os apoiantes de Trump são rotineiramente apelidados de racistas, não surpreende que muitos prefiram manter a sua orientação política para si mesmos”, esclareceu o analista norte-americano Salvatore Babones, numa coluna no Sydney Morning Herald

Temos mais um indício disso olhando para a Florida, um swing state crucial, onde praticamente todas as sondagens davam a vitória a Biden, ainda que dentro da margem de erro. A única que acertou na muche foi a da Rasmussen – a diferença em relação às outras é que, em vez de serem pessoas a recolher dados, fizeram-no com mensagens telefónicas pré-gravadas.

Outro fator é a constante animosidade de Trump contra as sondagens, alimentada pelo facto de estas subvalorizarem os seus apoiantes, o que torna mais provável que os seus apoiantes não respondam a inquéritos, num círculo vicioso.

Isso poderia ser resolvido através de modelos preditivos, como noutros casos – sabemos que os afro-americanos têm taxas de resposta mais baixa, por exemplo, logo os números são insuflados. O problema é que “se isso não for correlacionado com características conhecidas, como etnia e género, quem faz as sondagens não tem como saber”, notou o analista Dan Cassino, na Harvard Business Review.

Contudo, não são só as sondagens norte-americanas que têm problemas. O motivo parece ser sistémico: a percentagem de pessoas que respondem a sondagens caiu a pique nos últimos anos, de 36% há duas décadas anos para 6%, segundo o Pew Research Center.

“Baixas taxas de respostas são uma praga até para as melhores sondagens desde o uso generalizado de tecnologia de identificação de chamadas”, explicou Cassino. Afinal, num mundo em que se recebe cada vez mais chamadas para vendas, quem é que ainda atende números desconhecidos?

“Os jornalistas e o público em geral fariam bem em tratar as sondagens com cautela”, recomendou W. Joseph Campbell, autor de Lost in a Gallup: Polling Failure in U. S. Presidential Elections, no The Hill. “As sondagens não são para descartar ou desprezar. Mas é prudente perceber que têm um passado manchado, e que mesmo as melhores delas têm limitações inerentes”.