Turismo trava crescimento da economia

Apesar de ter melhorado as previsões económicas para Portugal, Bruxelas admite que países mais dependentes do turismo vão demorar mais a recuperar. Analistas contactados pelo SOL não se mostram surpreendidos.

Turismo trava crescimento da economia

As previsões da Comissão Europeia são, afinal, mais animadoras. Em vez de uma queda da economia de 9,8% este ano, tal como tinha previsto em julho, diz agora que a contração será de 9,3%. Ainda assim, são números piores face aos que são previstos pelo Banco de Portugal (queda de 8,1%) e pelo Governo (-8,5%), estando em linha com as previsões do Conselho das Finanças Públicas (-9,3%), mas sendo mais otimistas que os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (-9,4%) e do Fundo Monetário Internacional (-10%).

Mas estas são melhorias que não convencem os analistas contactados pelo SOL. O analista da Infinox lembra que «as previsões não contavam com um novo estado de emergência com teletrabalho obrigatório. Este teletrabalho vai fazer contrair ainda mais a nossa economia devido à diminuição marginal do consumo», refere Pedro Amorim.

Já o analista da Infinox admite que o facto de Bruxelas ter revisto o crescimento do PIB português acaba por ser um fator importante, tendo em conta que mostra uma ligeira recuperação das previsões iniciais, mas lembra que isso é incerto porque os efeitos da pandemia ainda não foram devidamente contabilizados. «Se, eventualmente, atingirmos uma segunda vaga de novos casos de infetados por covid-19, poderá haver a necessidade de tomar novas medidas mais restritivas e isso acabará por criar um maior abrandamento da economia e ter consequências na próxima revisão do PIB nacional», refere Henrique Tomé.

O cenário é defendido pelo analista da ActivTrades ao lembrar que devido à rápida contração económica, os modelos utilizados para projetar as variações do PIB não são tão fiáveis quanto o seriam em condições normais. «Vamos ter de esperar alguns trimestres para ter uma noção mais clara de qual foi a real quebra económica motivada pelas restrições económicas que foram impostas para controlar a propagação do vírus. O número final da queda do PIB para 2020 pode vir a agravar-se se for necessário aplicar medidas mais restritivas antes do final deste ano», refere Mário Martins.
Para 2021, a Comissão Europeia prevê um crescimento económico de 5,4% em Portugal (o mesmo valor que o previsto pelo Governo) – uma revisão em baixa das suas estimativas de julho (crescimento de 6%) –, esperando ainda um crescimento de 3,5% do PIB em 2022.

Défice agrava-se, desemprego melhora 
A Comissão Europeia piorou, no entanto, as previsões para o défice e para a dívida pública portugueses para 2020, esperando um saldo orçamental de -7,3% do produto interno bruto (PIB) – tal como previsto pelo Governo – e uma dívida pública de 135,1% do PIB. Já em relação às previsões relativas à taxa de desemprego portuguesa, espera que se situe nos 8% este ano, depois de ter previsto 9,7% em maio.

Estas projeções não surpreendem Henrique Tomé. «À medida que o Estado continua bastante interventivo na economia, é expectável que o défice continue a agravar-se. Mas quando começarem a existir sinais de maior equilíbrio na economia, é esperado que esses esforços iniciais comecem a ser retirados gradualmente», disse, acrescentando, no entanto, que as previsões sobre o desemprego «são mais animadoras e revelam uma recuperação ligeira do setor laboral, que terá tendência a recuperar gradualmente se não houver mais medidas de confinamento nacional».
Já Mário Martins considera a meta do défice demasiado otimista. «Esperaria um número mais próximo da percentagem de contração do PIB e acredito que venha a ser revisto novamente. Em relação ao desemprego, as medidas de apoio à economia permitiram que não houvesse um colapso do mercado laboral e, embora um agravamento do desemprego para 8% seja negativo, poderia ter sido bem pior se o Governo tivesse deixado o mercado autorregular-se», diz ao SOL.

Por seu lado, Henrique Tomé lembra que a questão do desemprego está «a ser ainda difícil de mensurar, porque são muitos ainda os que não estão inscritos no centro de emprego e que procuram emprego através de outros meios».

Recuperação só em 2023 
Quanto à recuperação económica, os dados não são animadores. De acordo com as mesmas projeções, quase metade dos Estados-membros da União Europeia não vão conseguir recuperar totalmente a economia dos efeitos da covid-19 até final de 2022 e países dependentes do turismo, como Portugal, devem demorar mais. 

De acordo com o comissário europeu da Economia, esta estimativa «reflete a diferença na gravidade da pandemia e o rigor das medidas de contenção relacionadas», mas também «diferenças nas respostas políticas internas e nas estruturas económicas». E Paolo Gentiloni diz esperar que os países com grandes setores de turismo demorem mais tempo a alcançar uma recuperação total.

Para Pedro Amorim, não há dúvidas: Trata-se de «uma verdade de La Palice. Considero um sinal negativo para os nossos agentes políticos ainda considerarem o setor do turismo uma aposta viável para o crescimento sustentável. Portugal é o país onde a importância relativa do turismo no PIB é maior, por isso será o país mais afetado a nível da recuperação económica. É urgente uma reestruturação no pensamento económico nacional para garantir uma maior sustentabilidade da economia», refere ao SOL.

Também Henrique Tomé lembra que Portugal, nos últimos anos, tem beneficiado a nível económico por ser um dos principais destinos europeus. «O turismo nacional tem vindo a desenvolver-se bastante e a crescer em zonas onde outrora não havia tanto fluxo de turistas. Desde o começo da pandemia que o nosso país tem sido bastante afetado pelas fortes quebras de circulação de pessoas entre os vários países devido às medidas mais restritivas de combate à covid-19. Enquanto não existir uma vacina para o combate à pandemia, acaba por ser difícil prever até quando estes bloqueios irão continuar e, portanto, também difícil de prever a recuperação do fluxo de turismo».

A opinião é partilhada por Mário Martins ao lembrar que «os Governos continuam a ter de tomar medidas restritivas para controlar a propagação do vírus. Os setores mais afetados por estas medidas têm sido o hoteleiro e o turismo. Quanto mais dependente destes setores for a economia, mais demorada será a recuperação. Contudo, na minha opinião, quando a situação do vírus estiver completamente ultrapassada, acredito numa recuperação em V destes setores, uma vez que as pessoas vão querer esquecer o mais rapidamente possível o período em que não tiveram liberdade de viajar».

Recorde-se que a Comissão Europeia reviu em baixa o ritmo de retoma da economia da zona euro em 2021 face ao ressurgimento da pandemia de covid-19, estimando agora que só recupere 4,2% após uma contração de 7,8%, este ano.