Atrasos: uma realidade na Saúde e nas eleições americanas

Na Saúde induz-se que a solução consiste na requisição  da indústria privada. Querem maior exemplo de como a ideologia se sobrepõe ao pragmatismo da resolução dos problemas?

1. Aqui há uns tempos, a Ordem dos Médicos fez uma auditoria ao Lar de Reguengos e, como se recordam, perante uns resultados tão desastrosos sobre a sua gestão ‘caiu o Carmo e a Trindade’! Até Costa teceu considerandos profundamente injustos sobre o papel da Ordem, entendendo até que tudo o que excedesse a gestão administrativa dos seus profissionais seria uma grave violação de deveres. 

Agora, veio o Tribunal de Contas igualmente reportar que o SNS está com graves atrasos na prestação de serviços não-covid e até sugere incentivos financeiros para resolver o problema. A título de exemplo refere que entre março e maio houve uma quebra de 58% de cirurgias, o tempo de espera nas consultas externas aumentou de 100 para 171 dias e nas cirurgias de 106 para 147 dias.

Ficámos ainda a saber que entre as causas para esta clara degradação de serviços estará o «receio da população que também levou à diminuição da procura dos serviços de saúde, incluindo os urgentes», conforme se comprova pela redução de 40% das primeiras consultas para além do compreensível desvio de meios para combater a pandemia. Vamos lá a ver se o Dr. José Tavares, recém-empossado no cargo de presidente do TC, não leva já um cartão vermelho da dupla Costa e Temido.

Seja pelo medo de contágio que a covid infunde ou pela doença, infelizmente o número de mortes entre 16 março e 30 setembro aumentou 12% ou seja, houve mais 7.529 falecimentos que na média dos 5 anos anteriores (segundo os dados da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa – Barómetro Covid-19). Razões? Seria urgente apurar, mas, para não variar, as estatísticas estarão atrasadas.

Estes são os factos irrefutáveis. As causas, como vimos, serão diversas, mas com graves consequências, nomeadamente a forte probabilidade do esgotar da capacidade hospitalar do SNS perante a covid. Por estas ou outras razões, mas certamente sentindo que lhe faltavam dados para perceber onde estava o cerne do agravar dos problemas, nomeadamente o desnorte que a DGS tem demonstrado e a ideologia que norteia Marta Temido, vimos Marcelo tomar as rédeas do assunto, não hesitando em chamar a Belém diversos bastonários (atual e antigos) da Ordem dos Médicos e outros profissionais do setor da Saúde para o discutir globalmente. 

Para mim, o mais espantoso é que, nem mesmo depois deste claro atropelar do Governo, na Saúde tudo continua na mesma e agora, induz-se que a solução peregrina consiste na requisição da indústria privada depois de, durante meses, ninguém do Ministério ter sido capaz de estabelecer um diálogo profícuo com os privados, baseados numa definição clara das necessidades. Querem maior exemplo de como a ideologia se sobrepõe ao pragmatismo da resolução dos problemas?

2. Durante semanas, as eleições americanas foram servidas em doses reforçadas ao almoço, lanche e jantar pela comunicação social portuguesa. Análises sobre análises, considerandos sobre considerandos, a dúvida era saber por quanto seria a vitória de Biden – sempre graduada entre esmagadora ou clara, suportada em sondagens inequívocas quanto ao vencedor.

De facto, os Estados Unidos continuam a ter uma importância única a nível mundial e a democracia nacional reviu-se na americana, ávida de uma mudança que refletisse as atuais tendências esquerdistas da nossa ‘geringonça’. Com um pequeno detalhe: esqueceram-se que nos Estados Unidos não votam os portugueses nem sequer os europeus, mas os cidadãos americanos, com as suas ideologias, convicções e crenças. 

Quando escrevo estas linhas a tendência aparenta ser a vitória de Biden. Mas, sejam quais forem os resultados, algumas certezas me sobram destas eleições, a saber (i) o ‘trumpismo’ veio para ficar, nascendo uma nova dinastia de políticos numa família que promete marcar a história da América nos próximos anos, sob o lema ‘make America great again’; (ii) estas eleições só foram equilibradas porque os democratas acreditaram que Biden (77 anos) poderia vencer Trump (73 anos), sobretudo depois do desastre americano da gestão da pandemia; fosse um candidato mais novo, com discurso claro e incisivo na defesa dos valores sociais, perspetivando ao eleitorado 8 anos de presidência e há muito que a vitória estaria atribuída aos democratas. Assim, vendo que literalmente por um voto se ganha ou perde, é quase certo que tudo acabará nos tribunais até porque a clivagem está tão forte que não será despiciendo admitir ondas sucessivas de violência nos próximos tempos.

P.S. – os americanos deviam vir a Portugal (e ao Benfica) para aprender a votar por meios eletrónicos porque isso de votar em papel está completamente fora de moda e até os resultados seriam há muito conhecidos, seguramente sem quaisquer processos judiciais posteriores em riscos de terminar no Supremo Tribunal.