Estocolmo não acredita em máscaras

Pode haver medo e desconfiança, mas a Suécia não fecha. Por todo lado, caras a descoberto: supermercados, metro, centros de saúde.

por Afonso Melo
Enviado à Suécia

Estocolmo – Gamla é uma palavra importante, em sueco ou noutra língua qualquer. Quer dizer velho. Junto-lhe vän, que se lê ‘ven’, e quer dizer amigo. Aqui tenho grandes amigos, começando pelo José Vidal, meu irmão de tantas e tantas jornadas, de reportagens inesquecíveis para A_Bola, um homem íntegro como poucos, certamente dos mais íntegros que conheço, e que chegou a Estocolmo na véspera de Natal de 1967, empurrado à força para fora de Portugal quando os pides começaram a rondar-lhe os calcanhares como rafeiros famintos. Quando outro dos meus manos, o Francisco Silva – agora descansadamente reformado na vida do seu Funchal –, comandava a delegação da TAP na Suécia, vivemos tempos que o tempo jamais apagará.

Depois, Águeda também chegou a Estocolmo. Na pessoa de um dos meus bons amigos, Paulo Ramos, que será sempre o Preto para os seus companheiros do Fojo e do Alfusqueiro, e até na figura do jovem Júlio Rodrigues, que transporta consigo o nome do pai, outro irmão dessa terra que foi da infinita ternura, o Xauleta – por extenso, o Xau –, Príncipe de Adro, desafiador de todas as razoabilidades. E, assim sendo, não há como não vir para o país que se diz desconfinado, onde são agora quatro horas e meia da tarde e o céu está negro de baquelite.

Ninguém nos exige máscaras na rua ou nos supermercados, mas também por cá os avisos abundam por toda a parte. Os cartazes pedem para quem se sentir febril se manter em casa e contactar as autoridades competentes, mas não nos dizem para ficarmos entregues ao conforto de penates pelo simples facto de não termos nada para fazer. Por isso saímos pelo início desta noite já tão noite durante a tarde. Os meninos do Hammarby treinam-se num campo de relva artificial de Skarpnäck, o bairro onde me instalo e abuso da bondade infinda do Vidal. Não sinto frio em excesso – as temperaturas ficam-se pelos cinco ou seis graus positivos – caminhando sobre as folhas castanhas caídas no chão e lembro-me daquele poema de Yeats que aprendi a recitar de cor: «Os azuis e negros e pálidos tecidos/ Da noite, da luz e da meia-luz/ Os estenderia sob os teus pés/ Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos/ Eu estendi meus sonhos sob os teus pés/ Caminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos».

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