Estados Unidos. Uma transição complicada

Trump remodelou a Defesa e bloqueou a transição de Biden, que ficou sem recursos e acesso a informação secreta.

Estados Unidos. Uma transição complicada

Com a pandemia de covid-19 a acelerar nos Estados Unidos, o Presidente eleito, Joe Biden, prepara a sua equipa de transição, mas não tem a vida facilitada. O Presidente em funções, Donald Trump, que recusa aceitar a derrota, já deu ordens às agências federais para não cooperarem com a equipa de transição democrata, proibindo sequer que mencionem o nome de Biden e impedindo acesso a informação secreta, segundo o Washington Post. Ao mesmo tempo, a prometida obrigação nacional de uso de máscara em lugares públicos, proposta por Biden, já foi recusada por governadores republicanos por todo o país, escreveu o Politico. «A sua resposta antecipada: não desperdicem o nosso tempo».

«O Governo federal é a organização mais complexa do planeta, em termos de mecânicas. Estamos a falar de cerca de cinco biliões de orçamento, com quatro milhões de funcionários, se incluirmos militares e reservistas», lembrou Max Stier, diretor da Partnership for Public Service. «Portanto, é uma operação massiva, que requer muito trabalho e, preferencialmente, muito tempo», acrescentou. E, em tempo de pandemia, a demora pode custar vidas.

A isto junta-se a dificuldade de Biden ficar sem os fundos da Casa Branca para o seu staff – doadores democratas já se voluntariaram para adiantar parte dos custos, segundo o Business Insider.

Mas não são só os obstáculos na preparação da resposta à covid-19 da próxima administração que causam consternação. Chegou até a haver sugestões de que o Presidente tentaria de alguma maneira manter-se no poder, como afirmou o seu secretário de Estado, Mike Pompeo, questionado sobre o risco dos atrasos na transição. «Haverá uma transição suave para uma segunda Administração Trump», prometeu Pompeo, em conferência de imprensa.

Ao mesmo tempo, Trump demitiu ou pediu a demissão de uma série de altos dirigentes civis do Pentágono, incluindo o secretário da Defesa, Mark Esper, que anteriormente se opusera ao uso de militares contra as manifestações do movimento Black Lives Matter, substituindo-os por lealistas – uma manobra sem precedentes tão próximo do fim de um mandato.

Imediatamente começaram a soar alarmes, com alguns analistas a avisar que Trump poderia estar a sonhar com uma espécie de golpe militar. «Não acredito que ele seja capaz de se agarrar ao poder, porque os seus poderes expiram a 20 de janeiro», salientou John Brennan, ex-diretor da CIA, questionado sobre o assunto em entrevista à CNN. «Mas estou muito preocupado com o que ele poderá fazer até lá, este Presidente ressentido, furioso e potencialmente imprudente», explicou. «Pôr no topo do Departamento de Defesa pessoas inexperientes, sem qualificações, algumas delas fraudes partidárias, envia uma mensagem muito perturbadora às nossas tropas».

Contudo, poderá haver uma explicação muito mais simples para a manobra. «Provavelmente é só uma questão de rancor», sugeriu a Atlantic. Mesmo assim, a liderança dos militares fez questão de responder aos receios. «Não fizemos um juramento a um rei ou rainha, a um tirano ou ditador», referiu esta quarta-feira o chefe do Estado Maior, Mark Miller, que já se queixara da politização das Forças Armadas durante a campanha eleitoral. «Fazemos um juramento à Constituição».

Mesmo na arena internacional, a vida de Biden não está nada simples também. Apesar de ser reconhecido como Presidente eleito pela esmagadora maioria dos chefes de Estado de países aliados dos EUA, viu-se impedido de comunicar com eles pelo Departamento de Estado de Trump, avançou a CNN. Tradicionalmente, os contactos começam mal há um Presidente eleito mas, esta semana, vários líderes aperceberam-se de que as suas mensagens não estavam a chegar e viram-se obrigados a contactar Biden através de antigos diplomatas da Administração Trump.

Entretanto, boa parte da liderança republicana pôs-se de lado, optando por deixar o Presidente seguir com a sua manobra. Contudo, em privado, começam a surgir cada vez mais dúvidas, inclusive na família Trump. Os seus filhos Donald Trump Jr. e Eric mantêm-se firmes em disputar as eleições até ao fim. Mas a mulher, Melania, e o genro, Jared Kushner, têm pedido a Donald que aceite a derrota e pense numa saída airosa, avançou o Politico.