Debaixo do colchão

A lição é clara: a inflação é o grande inimigo das aplicações financeiras. Em particular daquelas com retorno fixo predeterminado.

por Pedro Ramos

 

Nova Iorque, novembro 2020

Queridas Filhas,

O investimento financeiro mais popular dos nossos antepassados foi manter o capital em caixa. Por muitos anos, isso era literalmente esconder o dinheiro ‘debaixo do colchão’. Atualmente, com a digitalização da moeda temos outras alternativas: depósitos à ordem, depósitos a prazo e investimentos em títulos de dívida pública. Vamos olhar cada um destes.

Depósitos à ordem conservam o vosso capital num banco. Podem aceder ao capital em qualquer momento através de levantamentos de multibanco ou pagamentos por cartão multibanco ou cheque. Pagam um juro insignificante e são em termos legais dívida do vosso banco para convosco. Há décadas vocês podiam perder o dinheiro se o banco fosse à falência. O Estado garante o vosso depósito até um limite máximo de 100 mil euros.

Depósitos a prazo são empréstimos que vocês fazem a um banco por um prazo predeterminado. Pagam um juro maior que os depósitos à ordem. Mas não podem aceder ao vosso capital até o prazo ser vencido. Em caso de falência do banco estes depósitos também contam para a proteção do Estado até 100 mil euros.

Títulos de dívida pública são empréstimos feitos diretamente ao Estado. Em Portugal estes incluem certificados de aforro, bilhetes de tesouro e obrigações do tesouro. Sendo garantidos pelo Estado, estas aplicações são normalmente consideradas sem risco. Isto porque o Estado soberano pode sempre imprimir mais moeda para pagar a sua própria dívida. Mas em Portugal, desde a adesão ao euro, este direito foi transferido para o Banco Central Europeu. Assim, há risco de Portugal não pagar a sua própria dívida como se temeu durante a crise das dívidas soberanas no início da década passada.

A grande vantagem destas aplicações de caixa são a segurança e flexibilidade que oferecem. Segurança dado o risco baixo de perda de capital. Flexibilidade pela capacidade de se poder aceder a liquidez rapidamente. Isto é importante em particular durante crises. Quando a confiança falta, quem tem acesso a liquidez tem oportunidade de adquirir ativos a preços baixos. Muitas fortunas foram feitas desta forma. Como disse o Barão Rothschild no século XVIII: «Compra quando há sangue nas ruas».

Esta flexibilidade é menor nos depósitos a prazo em que pode ser necessário pagar uma penalização para resgatar o capital antes do depósito estar vencido, ou no limite, pode o acesso ao capital estar limitado apenas à maturidade do depósito.

O grande inimigo de todas estas aplicações, incluindo pôr dinheiro debaixo do colchão, é a inflação. Estas aplicações dão grande segurança quanto ao total de euros que vamos ter no futuro. Mas nada garantem quanto ao que esses euros podem comprar.

Ilustrando com o vosso produto português favorito: pastéis de nata. Imaginem que vocês aplicam 100 euros num depósito a uma taxa anual de 1%. Com isso, têm um elevado grau de conforto que daqui a um ano terão 101 euros na vossa conta. Na vossa confeitaria, cada pastel de nata custa 1 euro. Pelo que vocês esperam daqui a um ano poder comprar 101 pasteis de nata (espero que convidem vários amigos).

Infelizmente, no ano seguinte o preço dos pasteis subiu 10% para 1,1 euros cada. O dono da confeitaria justifica-se com a subida nos salários, renda e preço dos ovos e leite. A realidade é que com os vossos 101 euros vocês agora podem só comprar 91 pasteis de nata. O cálculo é 101 / 1,1 = 91,82

A lição é clara: a inflação é o grande inimigo das aplicações financeiras. Em particular daquelas com retorno fixo predeterminado.