“Haverá outro pico a seguir a este pico?”, perguntou Marcelo. Os esclarecimentos na reunião de peritos e a resposta: “O R está sempre preparado para disparar por aí acima”

Especialistas apresentaram esta manhã o ponto de situação sobre a epidemia de covid-19 em Portugal. Governo anuncia novas medidas no sábado e esclarece que ainda não foram tomadas quaisquer decisões.

Diferentes especialistas apresentaram esta manhã ao Governo, Presidente da República e representantes dos partidos políticos um ponto de situação e diferentes visões sobre a evolução da epidemia de covid-19 em Portugal e que medidas podem ser necessárias. Foram vários os esclarecimentos, nomeadamente quanto a locais de transmissão, a situação limite nos cuidados intensivos e como se prevê que evolua a epidemia. “Haverá outro pico a seguir este pico?”, questionou Marcelo Rebelo de Sousa já na parte de perguntas, transmitida em parte pela SIC, questionando se as medidas atuais, mesmo ultrapassado o pico – previsto a partir da próxima semana, como o SOL já tinha noticiado na edição do último fim de semana -, terão de ser mantidas para se evitar um novo pico de casos depois do atual. “Se nós não quisermos ir para a situação de março (confinamento), não vejo alternativa, com algumas variantes, àquelas em que vivemos nesta altura”, respondeu Manuel Carmo Gomes, recordando que sempre defendeu medidas finas por concelho, em função dos níveis de risco a nível local. “Um concelho amarelo, rodeado de vermelhos, não demorará muito tempo. Mais vale ser previdente”, disse, sublinhando também que é preciso distinguir situações locais em que as cadeias de transmissão não estão controladas ou situações em que os casos num concelho estejam concentrados num lar. “Não vejo sinceramente muitas alternativas a isto. Há a alternativa de março, mas não queremos isso”, disse Manuel Carmo Gomes, epidemiologista e professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, um dos peritos ouvidos desde o início da epidemia pelo Governo.

“Podemos é, com a aprendizagem, ir fazendo uma sintonização dos critérios de mudança de níveis de risco e das medidas”, complementou. “Há assuntos que todos nós já sabemos que são críticos: as escolas, os lares, os transportes públicos, os horários de fecho e que promovem, ou não, o encontro das pessoas em situações de risco. Tudo isto são coisas que sabemos que estão em causa e que devíamos pensar como transversais em qualquer nível de risco. Mas depois há um refinamento adaptado às realidades locais. Nós, como epidemiologistas, devemos descrever a situação, mas dizer porque é que está a acontecer o que está a acontecer, não me atrevo. Não tenho conhecimentos para dar explicações porque é que Felgueiras vai numa direção e Paços de Ferreira noutras. Isso é melhor feito pelas autoridades locais e penso que é necessário contar com eles nas medidas a aplicar”. Respondendo diretamente à pergunta: “Por quanto tempo (manter medidas)? Senhor Presidente, não tenho resposta a isso. Mas sei como se faz: é preciso continuar a acompanhar os indicadores, por concelho, a nível regional e perceber em que direção estamos a ir. Se aplicamos medidas e vemos que há uma tendência de uma determinada direção (…) Se haverá outro pico em janeiro e fevereiro? A nossa projeção é de que vamos atingir um pico entre finais deste mês e o início do mês que vem. Se mantivermos a pressão, o R virá para baixo de 1. Depois tudo dependerá do que fizermos. Como já vimos, o R está sempre preparado para disparar por aí acima. Depende de nós se vamos ter ou não um pico em janeiro ou fevereiro”.

"Estou convencido que vai haver uma terceira e quarta ondas. E não podemos manter o tipo de expansão reativo porque não é compatível com a atividade médica normal", disse por seu turno João Gouveia, coordenador da resposta em medicina intensiva. “Ainda não estamos em situação de catástrofe, mas estamos em situação de rutura em muitos sítios”, alertou.

Alguns dos dados novos apresentados na reunião

Em 81,4% dos casos não se sabe a origem do contágio
Tal como o i noticiou na edição de hoje, na maioria dos casos não se conhece a origem dos contactos. Ontem a DGS não forneceu dados globais, indicando apenas que, das notificações médicas, não era conhecido o link epidemiológico num terço dos casos. Hoje na reunião do Infarmed André Peralta Santos, da Direção Geral da Saúde, revelou que, ao todo (entre notificações médicas e laboratoriais), não se conhece a origem do contágio em 81,4% dos casos, citou o Observador. “Na proporção onde há informação [18,6% das situações] 60% desse link é o contexto familiar”. Recorde-se que estes dados que mostram que a maioria dos casos ocorrem em contexto de familiar já tinham sido apresentados pelo primeiro-ministro, mas sem a contextualização de que apenas numa minoria dos casos é possível fazer essa análise.

Quando são esperadas as vacinas da covid-19
O presidente do Infarmed, Rui Ivo, antecipa que venham a estar disponíveis três vacinas para a covid-19, citou também o Observador, que terão no início autorizações condicionadas. Prevê-se que a distribuição possa começar no primeiro trimestre do próximo ano, mas o grosso das vacinas chega apenas no segundo trimestre.

Só 25% das pessoas cumprem distanciamento de dois metros
A informação foi apresentada por Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Nova de Lisboa, com base nos barómetros feitos pela ENSP. Também o uso da máscara ainda não está generalizado: mais de 20% não usa sempre máscara quando sai de casa, citou igualmente o Observador.

Os “hotspots”
Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, apresentou resultados do trabalho desenvolvido pelo instituito que concluiu que  “o uso de transportes coletivos, a frequência de espaços de restauração e a frequência de espaços comerciais e de hotelaria (…) não parecem aumentar a probabilidade de infeção”, citou também o Observador. Já “frequentar ginásios, trabalhar presencialmente ou habitar alojamentos mais lotados parece estar associado com a probabilidade acrescida de infeção”.

Reduzir contactos em 60%
Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge, sublinhou que só com uma redução muito significativa de contactos, em mais de 60%, é possível colocar o R abaixo de 1 – o necessário para que os casos parem de aumentar, mesmo que estejam agora a subir mais devagar. Atualmente, Portugal encontra-se com uam redução de mobilidade face aos valores pré-pandemia de 30%, quando no estado de emergência de março foi de 70%. As projeções da Universidade do Washington, que o SOL noticiou, já apontavam para esta situação, indicando que só com uma redução expressiva da mobilidade é possível travar um contínuo aumento de casos, necessidades hospitalares e uma maior subida de mortes. "Só com contactos reduzidos em mais de 60% é que R baixa de 1",disse Baltazar Nunes.

A situação no Norte do país, a região mais afetada
O ponto de situação foi traçado por Óscar Felgueiras, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Indicou que neste momento a incidência é sete vezes superior à registada em abril. “No caso dos idosos, a incidência atual é mais do dobro do que a que foi registado no pico de abril”, disse, revelando no entanto que, na última semana, foi nas crianças que mais aumentaram os casos.

E agora?
O Parlamento vota esta sexta-feira a renovação do estado de emergência. O Conselho de Ministros define as medidas a aplicar na próxima quinzena também esta sexta-feira, tendo a reunião prevista para hoje sido adiada 24 horas. O anúncio de medidas deverá acontecer no sábado. A estratificação de medidas em função do nível de risco dos concelhos, com novos patamares além do dos 240 casos por 100 mil habitantes e medidas mais apertadas para os 28 concelhos com mais de 960 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias analisados, deverá ser uma das alterações na próxima quinzena. A hipótese de ser limitada a circulação entre concelhos nos fins de semana prolongados de dezembro, o fecho das escolas para as férias de Natal uma semana mais cedo e mudanças no recolher obrigatório ao fim de semana são algumas das questões que já veio a público estarem a ser equacionadas. O Governo publicou entretanto esta quinta-feira o seguinte esclarecimento: "Nesse processo, e ao contrário do que tem vindo a ser noticiado, não foram ainda tomadas quaisquer decisões o que não faria sentido ocorrer antes da realização das audições em curso. Existem obviamente diversos cenários que são discutidos com os especialistas mas não foram tomadas quaisquer decisões pelo que qualquer anúncio constitui neste momento pura especulação."