Os sinais são de abrandamento no crescimento na epidemia, mas a incidência nunca foi tão elevada e o risco é agora que o país fique num planalto de casos, com os hospitais a continuarem a ter de responder a um número elevado de doentes com covid-19, ao mesmo tempo que com a chegada do tempo de frio é esperada maior descompensação de doenças crónicas e mais casos de infeção respiratória. O cenário foi apontado na reunião de peritos no Infarmed, onde esta semana o Presidente da República, o Governo e os partidos ouviram alertas de especialistas para o risco de rutura nas unidades de cuidados intensivos, para o tempo que as medidas demoram a ter efeito no alívio de casos e necessidades de internamentos (duas a seis semanas) e no aumento da mortalidade (um mês) e para a necessidade de colocar o RT abaixo de 1 para haver uma descida de casos, mantendo restrições nos contactos mesmo para lá do atual pico de casos. O risco é tornar a verificar-se um novo escalar de casos, que poderá conduzir a novas vagas ainda este inverno. O alerta foi deixado depois de uma pergunta de Marcelo Rebelo de Sousa no encontro no Infarmed, quando questionou se depois do atual pico poderia verificar-se um novo disparar de casos e por quanto tempo teriam de ser mantidas medidas. “Por quanto tempo? Senhor Presidente, não tenho resposta a isso. Mas sei como se faz: é preciso continuar a acompanhar os indicadores, por concelho, a nível regional e perceber em que direção estamos a ir", respondeu o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos peritos que tem aconselhado o Governo. "Se haverá outro pico em janeiro e fevereiro? A nossa projeção é de que vamos atingir um pico entre finais deste mês e o início do mês que vem. Se mantivermos a pressão, o R virá para baixo de 1. Depois tudo dependerá do que fizermos. Como já vimos, o R está sempre preparado para disparar por aí acima. Depende de nós se vamos ter ou não um pico em janeiro ou fevereiro”.
RT começa a baixar, mas desde o início de agosto que está acima de 1
O RT, que calcula quantos casos surgem em média a partir de cada pessoa infetada, tem estado a baixar no país, mas permanece acima de 1 em todas as regiões, o que mantém a epidemia numa tendência crescente, ainda que a um ritmo agora mais lento do aquele que se viveu em outubro. Com base na evolução na última semana, os peritos do INSA estimam um tempo de duplicação de casos nos 37 dias, quando chegou a ser de apenas 10 dias em outubro, quando se viveu a maior explosão de casos na região Norte.
Nos últimos sete dias, o país registou uma média diária de 6400 casos, que as projeções feitas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa apontam que superem os 7 mil casos diários na próxima semana, esperando-se então uma estabilização.
O pico de casos surge numa altura em que os hospitais registam níveis de pressão elevados, em particular na zona Norte, mesmo com dezenas de doentes transferidos para outros pontos do país, novas estruturas de retaguarda e já 53 doentes com covid-19 transferidos para hospitais privados na região. Ontem, estavam internados nos hospitais da rede pública 3079 doentes, quando no pico da epidemia em abril o máximo foram 1302 doentes internados. Um pico atingido a 16 de abril, quase um mês depois de ter sido decretado o estado de emergência. Na altura, em março, o crescimento da epidemia era mais acentuado do que é atualmente – ainda que o RT, que chegou a ser de 2,37, tenha começado a baixar a partir do dia 12 de março, quando foi anunciado o fecho das escolas. Ficou abaixo de 1 no final de março e só voltou a passar essa barreira no dia 28 de abril, em Lisboa.
A partir de julho, a epidemia voltou a ficar controlada, situação que se começou a inverter a 5 de agosto, revelam os relatórios que o INSA publica semanalmente. Foi quando a epidemia começou a registar tendência crescente na região Norte, na altura em torno dos 42 novos casos por dia. O RT na região Norte está acima de 1 agora há 113 dias, com uma média de 3488 novas infeções por dia. Segue-se em termos de incidência a região de Lisboa e Vale do Tejo, com uma média de 1544 novas infeções por dia (e RT acima de 1 há 87 dias). Na região Centro regista-se uma média de 745 novas infeções por dia, no Alentejo 108 e no Algarve 92.
Portugal entre países europeus com a situação mais crítica
Perante esta evolução e com os países europeus mais afetados nesta segunda vaga da pandemia a registar agora um abrandamento dos casos, depois também de confinamentos mais duros nas últimas semanas, Portugal surge agora como um dos países com maior incidência cumulativa a 14 dias. Com os 82 mil casos diagnosticados nas últimas duas semanas, o país passou ontem a barreira dos 800 casos por 100 mil habitantes a 14 dias e ocupa agora o 5º lugar na tabela europeia, a par de Itália, sendo dos países com maior incidência Luxemburgo e Áustria, os únicos acima dos 1000 casos por 100 mil habitantes. Países como Bélgica e República Checa chegaram a ter mais de 1000 casos por 100 mil habitantes e estão agora com uma incidência abaixo desse patamar – a Bélgica já mesmo abaixo de Portugal, que também surge agora pior que França, Itália e Espanha.
Um cenário que a nível nacional é muito determinado pelo que se viveu no último mês na região Norte do país – onde se verifica agora um abrandamento dos casos. A incidência cumulativa na região Norte nos últimos 14 dias, em que foram diagnosticados 49 741 casos, atingiu ontem os 1394 casos por 100 mil habitantes. Em Lisboa, a incidência a 14 dias situa-se nos 564 casos por 100 mil habitantes e na região Centro também está neste patamar.
Este fim de semana, o Governo anuncia novas medidas, com o escalonamento das regras em função agora de patamares de risco mais diferenciados e não da fronteira dos 240 novos casos por 100 mil habitantes que vigorou até aqui. Os concelhos acima dos 480 e 960 casos por 100 mil habitantes deverão ter medidas mais duras, que poderão incluir o recolher obrigatório ou mesmo o fecho de atividades não essenciais.
Norte continua a ser a região mais afetada
Em função dos últimos dados divulgados pela DGS, que dizem respeito à quinzena entre 28 de outubro e 1 de novembro, há 91 concelhos acima do patamar dos 480 casos por 100 mil habitantes, dos quais 28 acima dos 960 casos por 100 mil habitantes. Destes, quase todos são na região Norte, com as maiores incidências a registarem-se em Paços de Ferreira (3698), Lousada (332), Vizela (2653), Manteigas (2627), Paredes (2132), Penafiel (2055), Guimarães (1886), Fafe (1787), Santo Tirso (1782), Belmonte (1766) e Felgueiras (1719). Famalicão, Cinfães, Matosinhos e Porto estavam também acima dos mil casos por 100 mil habitantes neste último período para o qual foram tornados públicos dados, não sendo certo se o Governo vai atualizar informação ou se usará as incidências de há duas semanas para tomar as novas medidas.
Na região de Lisboa, o concelho com maior incidência era Coruche (801). Lisboa registava 569 casos por 100 mil habitantes, sendo os concelhos da Área Metropolitana com maior incidência Cascais (549) e Odivelas (539). Sintra, o concelho mais afetado na vaga de casos depois do desconfinamento e onde começaram desde junho a intervir no terreno equipas multidisciplinares para garantir que as pessoas infetadas cumpriam o confinamento, registou nestas duas semanas 459 casos por 100 mil habitantes.
Com o pico ainda a ser atingido, e a uma semana do final do mês, novembro soma já o balanço mensal de mortes mais elevado desde o início da epidemia. Abril tinha sido o mês com mais mortes associadas à covid-19 (820). Essa barreira foi ultrapassada no último domingo. Desde o início do mês, morreram 1288 pessoas com covid-19 no país (mais do dobro de outubro), 1082 dos quais com mais de 70 anos (no grupo dos 70 anos registaram-se 243 mortes e acima dos 80 anos 839 mortes).