1978-2020: Opções Inadiáveis, Outra Vez!?

Há dias, após três anos de liderança titubeante, Rui Rio consegue a sua primeira grande vitória: afastar o PS da liderança do Governo açoriano. 

Por Luís Filipe Menezes, ex-presidente do PSD

A 2 de junho de 1978, durante o Governo PS/CDS, 42 dos 73 deputados do PSD e várias outra figuras do partido subscreveram o documento PSD: Opções Inadiáveis, reafirmando a opção social-democrata do PPD e a necessidade de se manter o pedido de filiação na Internacional Socialista, criticando a liderança de Francisco Sá Carneiro. 
Entre os subscritores estavam, entre outros, os fundadores Magalhães Mota e Pinto Balsemão, bem como Jorge Miranda, Guilherme d’Oliveira Martins, Joaquim Lourenço, António Sousa Franco, Figueiredo Dias, Sérvulo Correia, Cunha Leal, Furtado Fernandes, Barbosa de Melo, Miguel Veiga, Nandim de Carvalho, António Rebelo de Sousa. 
A maioria deles acabou por se desfiliar do partido e nunca mais voltou. Muitos acabaram a militar ou a conspirar na área do PS. Alguns, poucos, foram retornando ao partido ao longo do tempo. Uma parte deles constituía quase 60% do grupo parlamentar social-democrata! Ou seja a oposição democrática ficou formalmente em cacos!!

Na altura, falava-se na evolução para um regime presidencialista protagonizado por Ramalho Eanes, o que mobilizava muitos desses quadros. ‘As elites essenciais do partido’, como se escrevia em todo o lado.

O fim político de Sá Carneiro era assim decretado por este grupo de ilustres professores catedráticos, sindicalistas, advogados de primeira linha e antifascistas eminentes (alguns dos que credibilizavam o cariz democrático do PPD face aos militares ditos progressistas).

O coro era feito, como se tornou estrutural na sociedade portuguesa, por uma comunicação social maioritariamente de esquerda, muitas vezes marxista-leninista e ferozmente anti-Sá-Carneirista.

Até aí Sá Carneiro havia tido quatro anos terríveis. 

Havia vencido uma doença grave que o afastou da primeira linha da disputa eleitoral, a primeira pós 25 de Abril, na Primavera de 1975. 

Havia enfrentado uma campanha de comunicação e pichagens de paredes e pavimentos de rua (as redes sociais da época), que colocavam em causa a sua probidade.

Havia enfrentado uma primeira afronta do setor que em 1978 abandonaria o Grupo Parlamentar. Tal aconteceu no II Congresso, em Aveiro, a 6 de Dezembro de 1975.

Foi nesse congresso que Sá Carneiro sobreviveu com dificuldades, chorou copiosamente de raiva no palco, com a cabeça entre as mãos, e assistiu a um primeiro pequeno cisma.

A 28 de janeiro de 1978 no Porto, no Cine-Teatro Vale Formoso, no V Congresso Nacional, Sá Carneiro apelou a uma oposição mais dura ao Governo de coligação e ao Presidente Eanes, no entanto, a estratégia aprovada foi menos assertiva, o que o levou a recusar retomar a presidência, mantendo, contudo, o lugar no Conselho Nacional. Sousa Franco foi eleito Presidente da CPN e líder do partido.

O ator principal, improvável e involuntário, dessa iniciativa menos assertiva foi, curiosamente um ‘Sá-Carneirista relutante’, Marcelo Rebelo de Sousa!

Mas o hiato de liderança durou poucos meses. 

Ainda antes do Verão, a 1 de julho de 1978, o VI Congresso partidário, realizado no Hotel Roma, restitui o poder a Francisco Sá Carneiro e em 16 de junho de 1979, na VII Reunião Magna, também na mesma Avenida, só que desta vez no Cinema Roma, o líder assume um novo e mobilizador programa – onde imperam a aposta na economia privada, a hipótese de coligação com outras forças democráticas como o CDS e o PPM e uma profunda Revisão Constitucional a caminho da democracia civilista e liberal – o que fez esquecer completamente a grande cisão parlamentar de 13 meses antes.

Em dezembro de 1979 e de novo em 1980, Sá Carneiro obteve duas claras vitórias eleitorais por maioria absoluta.
Em dezembro de 80 já ninguém se lembrava daqueles magníficos deputados, 42, que com uma rutura estrondosa fizeram o que achavam ser o elogio fúnebre de um político sem futuro. A eles, nunca mais ninguém chorou a sua perda.

Há dias, após três anos de liderança titubeante, Rui Rio consegue a sua primeira grande vitória: afastar o PS da liderança do Governo açoriano. 

Após 20 anos de Governos sociais-democratas, o arquipélago era liderado há 24 anos pelo Partido Socialista. 
Ao longo deste período, o PSD teve grandes candidatos à liderança regional, como, entre outros, Costa Neves e Berta Cabral, teve lideranças nacionais credíveis que não conseguiram catapultar esses quadros para a vitória, como as de Marcelo Rebelo de Sousa em 2000, Manuela Ferreira Leite em 2008 e Pedro Passos Coelho em 2012 e 2016.
Conheço bem a realidade insular e sei bem quão difícil é desalojar uma maioria regional, nomeadamente quando ela se sedimenta e tem uma vocação estatizante opressiva.

A vitória curta do PS de há semanas foi um ‘milagre’ que, se não aproveitado, porventura não se repetiria nos próximos 20 anos!

Aconteceu. Foi uma ‘tempestade perfeita’.

Foram as eleições num país na mó de baixo e numa região também deprimida por uma horrível pandemia (e os Açores, felizmente com poucos casos letais, foi palco de muitas polémicas jurídico-mediáticas).

Foram as eleições de um pico de cansaço com um Governo nacional socialista (também ele fragilizado pela epidemia, que tanto destapou a incapacidade e a mediocridade do Executivo nacional).

Foram as eleições em que ainda mais se multiplicaram as candidaturas de pequenos partidos “predadores aritméticos de maiorias absolutas’.

Foram as eleições contemporâneas do esboroar, pelo menos parcial e temporário, da ‘geringonça’ no Continente.
E, sem ofensa, Vasco Cordeiro não tem a experiência e a manha de Carlos César.

Face ao desenlace eleitoral, o PSD conseguiu o que Costa conseguira em 2015. Não vencer, mas conseguir construir uma maioria parlamentar. Com uma coligação com o CDS e o PPM (tal como Sá Carneiro fizera em 1979 e 80!).
No entanto, a polémica instalou-se, porque sem os votos do partido populista radical de direita, Chega, não se poderia obstaculizar a continuidade da minoria socialista.

A esquerda veio, em desespero de causa, afirmar que o PSD, ao contrário dos seus irmãos ideológicos europeus, tinha passado a linha vermelha que separa democracia de ditadura. 

Normal, outra coisa não se esperaria de quem perdeu um feudo tido por eterno.

Todavia, esta retórica é hipócrita e falsa.

Hipócrita, pois foi este PM quem, no pós-troika imediato, perdendo as eleições, não teve qualquer embaraço em constituir uma maioria com dois partidos antieuropeístas assumidos e adversários drásticos das principais metas que o Governo PS teria que atingir a partir do início desta década (aqui valeu-lhe, ao Governo, por ora, a desgraça sanitária com que nos debatemos).

Mentira, pois a Europa da UE está enxameada deste tipo de coligações a nível regional e local. Nalguns casos, as mesmas foram ensaiadas a nível nacional – como na Áustria ou na Holanda. Isto para não lembrar os imbróglios húngaro e polaco.

A direção do PSD decidiu bem. Oferece uma alternativa aos açorianos, uma alternativa durável e que porventura não se repetiria como possível antes de meados do século.

Comprometeu os seus princípios ideológicos? Não vejo porquê. Nada do que se desenrola nos Açores é forçosamente mimetizável no retângulo pátrio, a substância do aprazado com o Chega poderia, pela sua quase iniquidade e evidência, ser acordada com qualquer partido democrático. 

É óbvio que, tal como há 40 anos, um episódio deste tipo abre sempre a porta ao debate interno, muito centrado na simbologia esotérica, em que opositores das direções esgrimem com veemência o melhor da sua retórica. É normal e até legítimo.

Muitos fazem-no com indiscutível coerência e elevação (como Jorge Moreira da Silva) outros, como nessa época, mais não querem do que criar a turbulência que faça tremer o líder. 

Outros ainda (como o inefável e eterno Pacheco) só desejam o que sempre os moveu: dar nas vistas para perenizar a sua importância no ‘mercado’ liberal ou institucional, de que sempre necessitaram para sobreviver com permanentes benesses, segurança e conforto.

Finalmente, alguns, como outros de 78, são boa gente, mas que nasceram para jogar bridge, mas não percebem nada do mar encapelado da política e nem as eleições do seu condomínio algum dia ganharão.

Tal como em 1978, o líder não é um bem amado de uma parte substancial dos quadros superiores do PSD, principalmente dos que apoiaram Passos Coelho com entusiasmo e lealdade. E neste caso são muitos mais do que os que em 78 detestavam o fundador.

Mas, tal como em 1978, por mais ilustres e outros bem intencionadas que se lhes juntem à volta da causa açoriana, no total serão sempre uma pequena minoria face a uma maioria de militantes e votantes sociais-democratas que estavam sedentos de uma vitória eleitoral consequente que, com a magnífica exceção da Madeira, não obtinham há quase uma década! 

Neste contexto, sem o desejarem, muitos dos que saíram a terreiro só estão a consolidar por uns tempos a posição de Rui Rio.

Mas em relação a 78 há também diferenças importantes e putativamente condicionantes do futuro.

Em 1978, a causa da disputa intestina tinha a ver com o tropismo claro dos dissidentes em direção a uma matriz ideológica mais esquerdizante e estatista. Agora, a questão ideológica é um mero pretexto, pois muitos dos que protestam contra o epifenómeno decorrente do acordo com o Chega, mais não são, paradoxalmente, do que o núcleo duro mais liberal que suportou o difícil consulado da troika!

Em meu entender, também não estão a prestar um bom serviço à memória do corajoso e patriótico legado de Passos Coelho e até ao seu eventual regresso à política ativa. A ideia que poderá estar ligado às críticas que se vão ouvindo, não fortalece a mais importante reserva humana do partido.

Em 1978, a fidelidade das bases à direção não era pautada pelo apoio a um decisão pontual, mas antes a um programa alternativo claro e a uma liderança hipercarismática, arrebatadora. Esta é talvez a maior diferença entre ambos os episódios. Não é o suporte a uma liderança eletrizante que faz parte desta equação.

Em 1978, existiam razoáveis perspetivas do PSD ser o partido mais votado em eleições legislativas, mas também de ter parceiros sólidos e democráticos com quem constituir maiorias. Em 2023, essa possibilidade encontra-se bastante enfraquecida, quer pela decrepitude do CDS, quer pela multiplicação de pequenos partidos à direita, com realce para o crescimento do Chega.

Então que conclusões tirar deste cruzamento de correntes da história?

As semelhanças entre 78 e 2020 são bastantes, bom sinal da sobrevivência de uma forte lógica de identidade, mas as diferenças dão igualmente avassaladoras e muito decorrentes da evolução de fatores exteriores ao PSD.

O próximo raide, ao contrário do que profetizam os que se iludem com a espuma do tempo, não serão as eleições Presidenciais. Mero contrarrelógio de Marcelo contra ele próprio.

O próximo embate sério serão as eleições autárquicas e as suas consequências.

Rio só terá o destino de Sá Carneiro se vencer as eleições locais (e aqui vencer terá que ser recuperar um número substantivo de presidências, entre elas as de capitais de distrito, cidades médias, cidades urbanas das Áreas Metropolitanas).

Rio só almejará esse caminho se o CDS não desaparecer de vez, ou se de seguida não conseguir reconstruir uma liderança que o refaça crescer, tamponando definitivamente a expansão excessiva do Chega.

Ambas as hipóteses são fazíveis, chegou a hora de mostrar que Rio não é só um paciente e frio gestor do status quo.
Se nada disto acontecer, o lugar de líder do PSD vai de novo a jogo em finais de 2021 e será disputado por alguém que tenha sabido  gerir silêncios, pragmático, sensato, tranquilo e discreto nesta disputa circunstancial.

E se, após tudo isso, tudo ficar na mesma e nada de mobilizador brotar, o PS, com o apoio da desejável solução da pandemia e com a bazuca europeia, fará com que a saborosa vitória Atlântica não passe de um esquecido e frágil estremeção telúrico, tão habitual e há muito tempo absorvido pelas mais belas ilhas do mundo.

P.S.: Ouvi a entrevista de André Ventura a Miguel Sousa Tavares e seria uma covardia escrever este texto e não dar a minha opinião sobre o ‘Chega’.

Sousa Tavares foi manso e terno. Que saudades do tipo atrevido, arrogante e preparado de há anos!

Nunca votarei Chega exatamente pelos mesmos motivos que nunca votarei BE. Detesto plástico.

André Ventura não me surpreendeu. Suficientemente esperto para ter a sua cartilha demagógica eficaz bem treinada, relativamente oleada. Insuficientemente inteligente para esconder a fragilidade cultural e intelectual que está por trás de tudo aquilo. A resposta sobre o casamento homossexual e a explicação sobre impostos deu dó.

O ódio ficcionista à comunidade cigana, esquecendo o Estado que a empurrou para décadas de marginalidade, é lastimável. É de quem só conhece Loures, com quem confunde o país.

Vai ter o seu resultadinho jeitoso neste jogo de fantochada em que estão transformadas as presidenciais.

Quanto ao seu futuro, Deus dirá!?

Pode dar a vitória ao PS nas autárquicas, se roubar uns votos aqui e acolá ao PSD. Pode fazer o mesmo nas legislativas.

Isso não vai depender tanto do seu limitado talento, mas muito mais do ódio vesgo de quem lhe dá demasiada importância e protagonismo.

Discordo da forma como o diabolizam, não há nenhum motivo para isso, discordo da forma como a comunicação social o sugou e deitou fora.

Ambos os comportamentos só o fazem ‘inchar’. Ele agradece. 

Quanto mais o deixarem falar mais a verdade da sua balofa e frouxa mediocridade virá ao de cima. Sejam pois prudentes e sábios.

Claro que também não vale a pena ocultar que o Chega é filho da incompetência dos partidos da governabilidade.

Uma coisa é segura: o Chega pode ajudar a decapitar a direita para décadas, mas André nunca será PM e o Chega nunca será o maior partido da direita.