Os planos para salvar o Natal

No Reino Unido está a ser discutida uma folga de cinco dias nas restrições, que atualmente proibem misturar agregados familiares. Madrid quer ter testes rápidos nas farmácias e na Bélgica a população já está a ser sensibilizada: pode ser necessário escolher entre Natal e Ano Novo e juntar gerações terá riscos.

Foi na Lapónia que se conheceram primeiro os planos para o Natal, mais concretamente em Rovanieni, a capital do território junto ao Círculo Polar Ártico conhecida como o berço do Pai Natal. A ver as festividades e romarias irem por água abaixo, o Governo anunciou que os turistas do espaço Schengen são bem-vindos para visitas de 72 horas, sem precisarem de quarentena, desde que apresentem um teste negativo à chegada feito nas 72 horas anteriores. Para estadias mais longas, os procedimentos terão de ser outros, mas o Natal não foi cancelado, anunciou a responsável pelo turismo local, Sanna Kärkkäinen.

Por toda a Europa, onde o inverno da covid-19 parece avolumar-se, tentam afinar-se receitas para enfrentar a época e há discussões ao rubro, nomeadamente no Reino Unido, onde já veio a público o cenário de se permitir uma folga de cinco dias nas restrições, em que poder-se-iam juntar mais alguns agregados familiares, mas também já surgiram alertas de que isso pode implicar que o confinamento parcial se mantém em janeiro. 

Em Portugal, não se conhecem ainda planos para as festividades. Há um mês, quando se começou a falar do Natal, o primeiro-ministro garantiu que não haveria um decreto a organizar as famílias, afirmando no entanto que os convívios deveriam ser em grupos mais pequenos, almoços com uns e jantar com outros, a ideia também defendida pelo Presidente da República. Mas há países onde se tentam pôr em marcha planos mais concretos e a nível europeu tenta-se agora chegar a regras comuns para viagens, para emigrantes e expatriados poderem passar o Natal nos países de origem. Portugal aguarda essas regras e António Costa sublinhou esta semana, após uma cimeira de chefes de Estado, que a preocupação é europeia. Para os que estão fora, disse o primeiro-ministro, «é fundamental saberem se as fronteiras estão ou não abertas, se há ou não voos e se há quarentenas ou não».

Se tudo parece por fechar, pelo menos no Reino Unido os sinais são de que não deverá haver grandes facilidades a esse nível, repetindo-se o problema para os emigrantes portugueses que já no verão criticaram as regras que criaram obstáculos a vir ao país nas férias. O Reino Unido continua com a estratégia da ‘lista negra’ de países para os quais as viagens implicam que as pessoas façam, no regresso, um período de isolamento de 14 dias e a hipótese de as regras virem a ser aliviadas não parece estar em cima da mesa.

Um Natal fora do normal e…que pode sair caro

E é mesmo no Reino Unido que a discussão do Natal vai surgindo mais avançada. Nesta sexta-feira, o ministro da Saúde britânico,  Matt Hancock, voltou a advertir que este ano o Natal não vai ser «completamente normal», apesar de as medidas impostas no país no início de novembro parecerem estar a funcionar, assinalou.

Desde o início do mês estão encerradas lojas de serviços não essenciais, restaurantes e bares, que só funcionam para take-away. As saídas, além de idas à escola, universidades e trabalhos nos setores da construção e da indústria (além de comércio essencial), só podem acontecer em situações específicas, que incluem fazer exercício.

Matt Hancock revelou que estão ser estudadas regras consistentes para todo o território e que o país poderá permitir a circulação internamente. Já o plano global de haver um período de folga nas restrições a ajuntamentos, noticiado nas últimas semanas numa altura em que o país não autoriza que se misturem agregados familiares (nem dentro nem fora de portas), só deverá ser apresentado na próxima semana.

Segundo os cenários que têm sido noticiados pela imprensa britânica, Downing Street está a considerar um período em que poderiam juntar-se até quatro agregados familiares. Outra versão, noticiada pelo Express, adiantou que poderão ser três dias de folga, com convívios até dez pessoas. A discussão já levou a alertas por parte do Grupo de Aconselhamento Científico para Emergências (SAGE) de que o alívio, mesmo um por um curto período, pode sair caro, com o relaxamento das regras neste curto do período de Natal poder implicar mais 25 dias de confinamento.

O Governo britânico deu para já orientações aos estudantes universitários deslocados: atualmente a circulação está com restrições e  até 2 de dezembro não estão autorizadas idas a casa, mas foi autorizada no passado 13 de novembro uma «janela de viagem de estudantes» para que entre 3 de dezembro e 9 dezembro aqueles que queiram passar o Natal em família regressem às terras de origem. Aqueles que regressem depois dessa data poderão ter de fazer um período de restrições de contactos – e se contraírem covid-19 ou forem contacto de risco e precisaram de ficar 14 dias em isolamento na universidade, correm o risco de não poder viajar para casa no final do período, lê-se no site do Governo britânico.

No País de Gales, oferecem-se testes gratuitos aos estudantes. Já na Irlanda do Norte, onde a estratégia de «circuit-breaker» (cortar precocemente cadeias de transmissão com um confinamento quase tão duro como o primeiro, à exceção das escolas abertas) tem sido muito contestada – endureceu esta semana ainda mais as restrições e acrescentou mais 15 dias de paralisação: a partir do final da próxima semana, além dos serviços não essenciais que já estavam fechados, o que em todo o Reino Unido inclui vestuário, livrarias e cabeleireiros, vão mesmo fechar igrejas, com exceção de casamentos e funerais – que podem ter no máximo 25 participantes. Os restaurantes e pubs que estava previsto reabrirem a 27 novembro vão continuar assim fechados mais duas semanas, até 11 de dezembro. Medidas que surgem numa altura em que a Irlanda do Norte contabiliza 901 mortes associadas à covid-19 desde o início da epidemia.

A estratégia de Madrid: testes rápidos para todos

Em Espanha, o Ministério da Saúde e as diferentes comunidades autónomas anunciaram a criação de um grupo de trabalho para fazer recomendações sobre o Natal, numa semana em que a questão foi discutida entre os ministros europeus, reunião em que participou também Marta Temido.

A comunidade de Madrid já lançou, no entanto, a sua própria estratégia e anunciou ontem a proibição de deslocações durante dez dias, entre 4 de dezembro e 14 de dezembro. O objetivo é evitar deslocações nos feriados de Dezembro, a 6 e 8, nomeadamente para ir fazer compras à capital. O plano madrileno passa também por autorizar a realização de testes rápidos nas farmácias, anunciou esta semana o vice-presidente da comunidade de Madrid, Ignacio Aguado. «O meu objetivo é que antes do Natal todos os madrilenos possam fazer um teste antes de ver as suas famílias. Seriam gratuitos para a população», disse ao jornal La Sexta.

As autoridades têm reportado uma franca melhoria na situação epidemiológica na comunidade de Madrid, mas são precisamente os testes rápidos (mais de 5 milhões) que também vão levantado dúvidas. No final de setembro Madrid tinha uma incidência cumulativa a 14 dias de 735 casos por 100 mil habitantes, com várias localidades acima dos mil casos por 100  mil habitantes – números que em Portugal são superados no Norte do país há várias semanas – e a 10 de novembro, escreveu o El País, baixou para 339. Segundo o mesmo jornal, os especialistas questionam se a descida será mesmo real e não resultado da generalização dos testes rápidos, menos sensíveis que os testes PCR e usados pelo Governo madrileno em rastreios massivos. Miguel Ángel Royo, porta-voz da sociedade portuguesa de epidemiologia, alertou que os testes rápidos ajudam no controlo da transmissão, pois detetam casos contagiosos, são mais baratos e dão o diagnóstico rápido (…) mas não se pode comparar diretamente PCR e testes de antigénio, uma vez que não têm a mesma sensibilidade e critérios de utilização.

Sem certezas sobre qual será a via com melhores resultados ou mais duradouros, os passos e avisos em torno do Natal covid sucedem-se à medida que a contagem decrescente avança: e faltam agora 33 dias para o primeiro Natal com covid.

‘Escolham entre Natal e Ano Novo’

Na Bélgica, onde ainda não foram anunciadas regras concretas, o virologista Steven Van Gucht, um dos peritos do gabinete de crise do país, deixou o alerta de que, mesmo que as festas não sejam por skype, será prudente escolher entre Natal e Ano Novo. «Se nos infetarmos no Natal, seremos contagiosos na véspera de Ano Novo. Escolham entre os dois», apelou na semana passada. Sendo um dos peritos envolvidos na elaboração de um plano para as festas belgas – numa altura em que o país também está quase todo de novo em casa e já conseguiu baixar a incidência a 14 dias para menos de metade – Steven Van Gucht sublinhou que o Natal é uma questão difícil. «Os números estão a cair um pouco, mas ainda são muito altos. Ainda não conseguimos prever como serão no Natal e no Ano Novo. O certo é que as festas acontecerão em pequenos grupos», disse, sensibilizando desde já que não será aconselhável juntar diferentes gerações. «Ninguém gosta de dar este tipo de notícia. Mas as pessoas precisam de estar cientes dos riscos. Passar várias horas juntos em ambientes fechados com diferentes gerações a conversar, comer e beber é uma grande oportunidade para o vírus».

Portugal regista agora uma incidência mais elevada de covid-19 do que a Bélgica e medidas menos extremas do que muitos países europeus, mas progressivamente mais restritivas. Como será o Natal, que a Igreja já admitiu que poderá acontecer sem a tradicional Missa do Galo,  e como está o país dentro de um mês permanece uma incógnita. Mas o cenário de simplesmente se poder repartir  mais os convivios sem um risco significativo – para as famílias e para a progressão da epidemia– parece a esta altura pouco provável.