Com todo o respeito

A intenção era discriminar o Chega, procurar diminuir a importância do Chega, tentar reduzir a influência do Chega – e o resultado foi aumentar a importância do Chega e inflacionar a sua influência.

Com todo o respeito pela inteligência dos críticos ao acordo do PSD com o Chega nos Açores, com o argumento de que ele ‘normalizou’ um partido que deve ser ostracizado – críticas que incluíram cartas abertas, manifestos, abaixo-assinados e até declarações do primeiro-ministro e do Presidente da República –, tenho a dizer que essas iniciativas só podem ser classificadas de uma maneira: estúpidas.

E digo ‘estúpidas’, por razões objetivas: porque os seus efeitos, como era previsível, foram exatamente opostos aos pretendidos.

A intenção era discriminar o Chega, procurar diminuir a importância do Chega, tentar reduzir a influência do Chega – e o resultado foi aumentar a importância do Chega e inflacionar a sua influência.

Um desastre!

António Costa, com a sua infelicíssima condenação da ‘geringonça’ açoriana, deu o mote.

Fernando Medina, assumindo-se como seu sacristão, ajudou à missa.

Pacheco Pereira, investido na pele de feiticeiro, falou em «veneno».

Moreira da Silva mostrou-se envergonhado por ser do PSD.

Poiares Maduro deu um toque estrangeirado aos alertas.

Outras figuras ditas do centro e da direita, como José Eduardo Martins, Mesquita Nunes (que de vez em quando acorda), Pedro Mexia, Pedro Norton, etc., sobressaltaram-se.

Marcelo Rebelo de Sousa veio compor o ramalhete desaprovando a presença de «forças antissistémicas» na formação de governos.

Ora, tudo isto funcionou exatamente ao contrário.

Será que as pessoas ainda não viram que o alarido feito à volta do Chega e de André Ventura só tem contribuído para lhes aumentar a relevância?

Ainda não perceberam que, quanto mais medo mostram do Chega, mais ele cresce?

Que, quanto mais atacam André Ventura, mais ele se diverte, permitindo-lhe contra-atacar e ganhar mais uns votos?

E outras vezes é ele que os provoca – e eles mordem o isco e reagem como cães de Pavlov.

Um fartote!

Com tanto falatório nas televisões, mesmo os mais distraídos, aqueles que ainda não tinham reparado em André Ventura, têm agora curiosidade de o ver e ouvir.

Note-se o sururu que provocou a sua entrevista a Miguel Sousa Tavares.

E depois, ao verem-no, as pessoas veem o quê?

Um perigoso fascista?

Um homem a dizer coisas monstruosas?

Ou um político a dizer coisas normais?

Será crime falar da brutal carga fiscal e da frouxidão da Justiça – e pôr isso no centro do discurso e não como nota à margem?

Será proibido falar dos ciganos, que foi a bandeira que lhe deu popularidade, e da necessidade de cumprirem as regras?

Passando ao lado do facto de muitas pessoas não gostarem de ciganos, embora o não confessem (e a verdade é que eles muitas vezes também não fazem nada para serem bem aceites), Ventura diz alguma coisa dos ciganos que seja extraordinário?

Diz que não podem querer viver de subsídios nem à margem das leis.

Mas isto é alguma enormidade?

A importância crescente de André Ventura não resulta tanto do que diz como dos ataques de que é alvo por parte dos ‘politicamente corretos’.

Se olhassem para ele como para qualquer outro político, criticando aqui ou ali as suas propostas mas não o discriminando, não lhe mostrando medo, Ventura teria hoje muitíssimo menos influência do que tem.

Querendo transformá-lo num diabo, fizeram dele um herói.

Por isso digo que agiram de forma estúpida.

Mas se isto já não seria pouco, a ideia de ilegalização do Chega, aventada por Fernando Medina, é de bradar aos céus.

Se o ilegalizassem, André Ventura passaria de herói a mártir.

Ilegalizar Ventura, proibi-lo de falar, quiçá expulsá-lo do Parlamento, seria a melhor prenda a que ele poderia aspirar.

Porque, assim ou assado, arranjaria sempre maneira de falar.

Fundaria outro partido, com outro nome e outra pessoa à frente, se fosse necessário.

E nessa altura, tudo o que ele dissesse passaria a ter um eco dez vezes superior.

Numa sociedade democrática, ainda por cima com os meios tecnológicos que hoje existem, é impossível calar alguém.

Procurar silenciar um político pela força será contraproducente – pois mostrará impotência para o derrotar pelos argumentos.

E depois gerará reações, mesmo dos que dele discordam.

Não tenho dúvidas de que todos os democratas, todos os que verdadeiramente amam a liberdade, se levantariam contra uma medida dessas.

Numa democracia, a seleção das opiniões tem de ser feita pelos cidadãos e não por uma qualquer censura.

Claro que, se houver infrações à lei, deverão ser julgadas – mas nas salas dos tribunais e não previamente por um qualquer departamento governamental.

Desculpem-me Pacheco Pereira, Moreira da Silva, Poiares Maduro, Mesquita Nunes, Pedro Mexia e até Fernando Medina, António Costa ou Marcelo Rebelo de Sousa, mas o modo como têm lidado com o Chega não podia ser pior.

O medo, o pavor, que têm mostrado de André Ventura só o tem fortalecido.