Covid-19. Nem todos afinam pelo mesmo diapasão

São alvo de muitas críticas e até de processos disciplinares. Mas a ideia de que existem formas diferentes de enfrentar a covid-19 daquelas que são divulgadas pela OMS não tem travado os Médicos Pela Verdade.

São adorados por alguns, mas odiados por muitos outros. Os Médicos Pela Verdade são um movimento que surgiu na Alemanha e se espalhou por vários países da Europa e do mundo. Portugal seguiu esse caminho e juntou-se a Espanha, em finais de agosto, através da plataforma espanhola Médicos por la Verdad, que, com a ajuda de centenas de profissionais de saúde, procura contar «factos reais» sobre a pandemia de covid-19 que as autoridades de saúde mundial «teimam em esconder». As palavras ‘pela Verdade’ foram adaptadas à expressão ‘pelo Esclarecimento ou Elucidação’ – a tradução direta da designação alemã –, mas os países latinos optaram por dar mais ênfase ao nome.

Cada país que adotou este movimento tem associações independentes com realidades políticas, sociais, económicas e sanitárias diferentes. Existe, porém, contacto permanente entre todos, através de trocas de informação, nomeadamente artigos científicos e experiências clínicas. Em Portugal, juntam-se em manifestações, maioritariamente em Lisboa e no Porto, com um simples propósito: fazerem-se ouvir, porque alegam não ter oportunidade para tal. Entre alguns médicos, psicólogos, jornalistas e também advogados – todos fazem parte do movimento em Portugal –, seguram sempre cartazes a promover a saúde em vez do medo, porque alegam que as pessoas estão receosas em tempos de covid-19. E, apesar de apresentarem realidades sanitárias distintas, movem-se num só sentido: fazer frente a grandes agências especializadas, tais como a Organização Mundial da Saúde.

No que toca às medidas de contenção da covid-19, são contra – ou questionam, como dizem ser o mais correto – o uso obrigatório e generalizado da máscara. A este respeito, são acusados de alimentar um discurso contraditório. Quem assiste, por exemplo, a uma manifestação dos Médicos Pela Verdade, o forte impacto criado através de ideias demasiado radicais e perigosas tem feito com que as suas opiniões sejam imediatamente descartadas por muitos. No entanto, dizem que o seu propósito não é, de todo, esse. Pouco tempo depois de o movimento ter chegado a Portugal, criaram propostas, a que o SOL_teve acesso, onde dizem fundamentar as suas ideias.

No que diz respeito às máscaras – o ponto principal de discórdia –, sublinham que a derradeira escolha da sua utilização tem de ser deixada ao livre arbítrio e que «as pessoas saudáveis, sem sintomas, e as crianças (exceto casos muito específicos) não têm indicação nem existe sustentação científica para o uso de máscara». No entanto, nas propostas apresentadas, é possível ler também que estas medidas não englobam todos os assintomáticos. «Podem usar máscara indivíduos com sintomas tais como tosse e espirros persistentes e/ou dor de garganta. E, eventualmente, também quem, apesar de assintomático, pressente estar, como diz o povo, a ‘chocar alguma’, ou seja, a quem se encontre na fase de pródromo ou pré-clinica de uma gripe ou constipação independente da possível etiologia», referem.

 

Ordem dos Médicos instaura processos

Segundo o SOL conseguiu apurar, a Ordem dos Médicos já instaurou dois processos disciplinares aos Médicos Pela Verdade – um dos quais coletivo, pouco tempo depois de ter sido criado o movimento em Portugal, em setembro, e outro, mais recentemente, à anestesologista Maria Margarida de Oliveira, uma das fundadoras, que é acusada de ensinar a enganar testes à covid-19. Em sua defesa, a profissional de saúde publicou um direito de resposta na sua página de Facebook. «A dita ‘receita’ para a lavagem das fossas nasais e da orofaringe a fim de ‘eliminar todos os restos virais’ é na sua essência uma recomendação de higiene e de hábitos de vida saudável a que qualquer médico está obrigado na mesma proporção das recomendações duma alimentação saudável ou de um sono reparador», escreveu na nota divulgada.

 

Ativos nas redes sociais

No site oficial, os Médicos Pela Verdade apresentam-se como «um grupo de médicos portugueses determinados a explicar o que na realidade está a acontecer com a crise covid». E no Facebook já somam mais de 57 mil likes e mais de 60 mil seguidores. É nas redes sociais que, através de publicações regulares, tentam chegar a quem os acompanha, seja através de publicações partilhadas ou originais, nas quais explicam os seus pontos de vista através de textos e ilustrações. Já no Instagram, são menos ativos, mas têm mais de dois mil seguidores.

 

Movimento pelo mundo fora

Foi no dia 2 de agosto, antes do movimento ter chegado a Portugal, que 140 médicos espanhóis denunciaram publicamente uma possível «fraude mundial», questionando a versão oficial da covid-19 veiculada pela Organização Mundial da Saúde. Os médicos reuniram-se no Palacio de La Prensa, em Madrid, com mais de 400 profissionais da área da saúde, depois de terem recebido informações oriundas da Alemanha, onde o médico Heiko Schöning é representante. Nessas informações foi mencionada a existência de um relatório oficial do Ministério do Interior do Governo alemão que indicava que o risco da pandemia foi «superestimado» e que provavelmente o perigo representado pelo novo coronavírus foi além do nível normal. A partir desse momento, outros países juntaram-se à iniciativa para questionar as medidas divulgada a nível mundial.

É a cidade de Berlim, na Alemanha, porém, que tem sido o maior palco de protestos. Em agosto, junto à Porta de Brandemburgo, numa manifestação proibida pelo município – mas autorizada por um tribunal –, ter-se-ão juntado perto de 20 mil pessoas que, de acordo com as autoridades locais, desrespeitaram as normas de distanciamento físico – confrontos que resultaram em 45 polícias feridos.