A pão e água

Portugal não é um país coeso se só o setor público tiver garantias de emprego e rendimento…

A pandemia está a matar a economia. Contudo, o setor privado não pode pagar sozinho a crise da covid. Agora, quando o país confina, o privado desatina.

Cada pequeno dono de restaurante, café ou loja, do Minho ao Algarve, devia ser considerado um herói com uma medalha ao peito. Nos últimos anos, porém, tornou-se o inimigo público, perseguido e cravejado de impostos.

E porque digo eu que são heróis? Porque é onde se trabalha a sério, é onde não se arrastam os pés, é onde muitas vezes trabalha a família inteira, num trabalho sério e sofrido.

Fomentou-se a mentalidade que cada empresário, cada dono de negócio é um trafulha e que, se tiver o azar de ter lucros, cada euro de lucro deve ser taxado até não sobrar nada.

A mentalidade dominante está errada: sem empresas e empresários não há economia, não se cria riqueza, não há emprego e, ao fim e ao cabo, nem sequer há setor público porque não há quem o pague.

Vejamos o caso de Lisboa e dos seus números. O turismo foi o motor da economia desde 2014: encheu os cofres do Estado; encheu os cofres da câmara; fez o desemprego desaparecer; tornou-a uma cidade rica, com um orçamento de 1200 milhões de euros. Os jornais diziam em 2019 que «os cofres de Lisboa nunca estiveram tão cheios»; valia, segundo o seu presidente, 6 Autoeuropas!

Está na hora de o poder central e o poder local reconhecerem e retribuírem o que estes setores fizeram pelo país nos últimos anos.

Fernando Medina veio dizer que tinha 20 milhões de euros para distribuir por 8 mil empresas e empresários da restauração, turismo e comércio, para salvar 100 mil empregos, dando 4 mil euros a cada empresa, 2 mil euros agora, 2 mil euros em março, mas desde que as empresas não tivessem dívidas ao fisco e à Segurança Social (quais são as empresas que não têm essas dívidas neste momento?).

Ora, isto não é sério, desde logo por comparação: a Web Summit vai receber este ano os mesmos 11 milhões de euros para fazer uma conferência digital sem vir alguém a Lisboa. A Web Summit não perde um tostão com a pandemia, já os pequenos de Lisboa perdem tudo o que têm.

Os setores afetados merecem respeito por terem sido o motor do país nos últimos anos. Para começar, mereciam a assunção da gravidade da situação logo desde março. Em segundo lugar, mereciam que António Costa e Fernando Medina se sentassem com os representantes dos setores mais duramente afetados para fazer um plano de resgate: um contrato com as empresas, com direitos e deveres para ambas as partes.

A única coisa que me lembro de ouvir a António Costa foi quando, em agosto, disse que os desempregados do turismo (100 mil em Lisboa?) podiam ir trabalhar para os lares de terceira idade.

O país confinou e António Costa desafinou.

Portugal não é um país coeso se só o setor público tiver garantias de emprego e rendimento. Portugal não é um país coeso se todo o risco ficar só do lado dos privados.

Portugal não é um país coeso e justo se toda a austeridade for exclusivamente sofrida pelos privados.

Portugal não pode ser um menu completo para alguns, meia dose para outros, e pão e água para a maioria.