Tempos duros

Houve, de facto, erro no planeamento e na previsão, ou deu-se de barato que os casos e as mortes iam aumentar de um modo exponencial e inelutável e eram um mal menor?

Foi verdade. A abertura que ao confinamento se seguiu, trouxe, como se anunciava, um número maior de casos.

Aqui e em todos os países que seguiram um percurso similar.

Tantos, que a determinação das cadeias de transmissão se tornou impossível.

O jogo passou a ser o do gato e o rato.

Medidas excecionais, redução de atividades, entraves à circulação.

Mas, mesmo assim, com as escolas abertas, as atividades produtivas retomadas e a ocupação dos transportes públicos, a grandeza do universo a rastrear levou a taxas de ignorância da origem do contágio em 90, ou 80, ou 70 por cento.

Alguns países simplificaram. Conheço um.

Um inquérito qualquer serviu para concluir que a ida ao ginásio era a origem do mal.

Mas, independentemente disso, a impressão mais certa foi ser o contágio maioritariamente adquirido em ambiente familiar.

Isto é, quando os componentes da família se reuniam na vinda do trabalho, ou na chegada do transporte, ou no regresso das aulas, ou, quando um e outro núcleo se juntavam para celebrar.

Um corte prudencial instalou-se nas famílias. Os avós fecharam-se, isolaram-se, e os netos ganharam a frequência da escola e perderam a sua companhia.

Claro que a multiplicação dos casos evoluiu de um modo tão preocupante que os recursos da saúde foram diminuindo até se tornarem críticos para os doentes covid e reduzidos ao mínimo dos mínimos para os demais.

O que restou, então? Estabelecer uma percentagem entre o número de casos e o número de habitantes e fazer-lhe corresponder regras diferenciadas para as atividades marginais.

O que choca, em todo este processo, é uma dúvida que se nos coloca.

Houve, de facto, erro no planeamento e na previsão, ou deu-se de barato que os casos e as mortes iam aumentar de um modo exponencial e inelutável e eram um mal menor?

O drama, o maior drama é ganharmos consciência de que 9000 casos por dia e 100 mortes é normal, ao mesmo tempo em que a falta de recursos impede a ajuda a todos quantos vão ficando sem trabalho.

Portanto, resta-nos procurar refúgio na última esperança que a vacina nos traz.

Um programa de televisão recentemente exibido chamou a atenção e motivou os comentários.

Principalmente porque deu conta da antecedência do planeamento e da exigência da organização da resposta.

Até lá, este tema tinha passado despercebido. 

Tanto quanto se sabe as empresas que produziram as vacinas, as companhias de transporte aéreo, as de entrega de mercadorias já andam, há algum tempo, a ensaiar a resposta à solicitação.

Países determinaram a organização da logística do armazenamento, da distribuição e da toma.

A União Europeia revelou-se igualmente atenta e pronta.

Entre nós, ficámos a saber que foi nomeada, na melhor tradição portuguesa, uma comissão interdisciplinar.

Os outros falam em dezembro.

Parece que, entre nós, esse mês só acontecerá para o ano.

Sim, porque entretanto andamos embalados com a tragicomédia do Orçamento e a luta do PCP pela afirmação da existência.

Ao contrário do romance de Vargas Llosa, a menina, de olhar calmo, fixo, penetrante, de quem se dizia: «Esta menina vai ter poderes!», perdeu-os. Ficou de fora. É um zero à esquerda.

São duros os tempos.