Pico já terá passado e 15% a 20% da população pode já ter anticorpos antes da chegada da vacina. Eis as conclusões do encontro no Infarmed

Em vésperas de nova renovação do estado de emergência e da decisão sobre as medidas para o Natal, especialistas fizeram uma análise da situação epidemiológica da covid-19 no país.

Especialistas, dirigentes dos partidos políticos, parceiros sociais e também autarcas, voltaram a reunir-se, esta quinta-feira, no Infarmed, para analisar a situação epidemiológica da covid-19 no país e pronunciar-se sobre as medidas para as próximas semanas. Eis algumas das principais conclusões deste encontro:

Pico de casos de covid-19 foi atingido no dia 25
André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde, começou por dizer que havia uma boa notícia: o pico de novos casos foi atingido a nível nacional no dia 25 de novembro, registando-se agora uma tendência decrescente no número de casos na região Norte, havendo ainda sinais semelhantes na região de Lisboa. Também nos diferentes grupos etários há uma diminuição de casos, mas mantém-se a incidência elevada na faixa etária dos 80 anos. Peralta Santos explicou que a epidemia progrediu, desde agosto, a partir da população mais jovem para os diferentes grupos etários. O grupo dos 60/70 anos esteve mais protegido mas acima dos 80, idosos mais dependentes, não se verificou o mesmo efeito.

"Apesar de termos passado o pico de incidências, ainda não há um pico nos internamentos"
O responsável sublinhou que o pico nos internamentos é ainda esperado. Já em termos de óbitos, a análise do número de vítimas mortais a 14 dias por 100 mil habitantes mostra uma tendência de diminuição da mortalidade associada à covid-19. O André Peralta Santos salientou, no entanto, que é necessário esperar para perceber a tendência, por não ser expectável que o número de mortes atinja o seu máximo antes do pico de internamentos. O investigador adiantou ainda que neste momento há ligação epidemiológica estabelecida em 13,3% dos casos.

Pico no Norte atingido entre 29 de outubro e 4 de novembro
O pico de casos na região Norte foi atingido mais cedo, entre 29 de outubro e 4 de novembro. O ponto de situação foi feito por Óscar Felgueiras, da Universidade do Porto. Numa análise por distrito, o perito sublinhou que a tendência é de descida no contágio em todos os distritos, à exceção de Vila Real, sendo o único onde se verifica uma tendência de subida dos casos. O investigador assinalou ainda que no distrito de Bragança e no distrito do Porto, apesar da descida, o abrandamento de casos tem sido mais lento entre os idosos com mais de 80 anos.

Vale do Sousa Norte demorou um mês e uma semana a baixar a incidência
A zona do Vale do Sousa Norte, mais afetada nos últimos meses, demorou um mês e uma semana a regressar ao nível de incidência onde estava antes da subida, assinalou Óscar Felgueiras. Partindo do que se viveu nesta região, e de Paços de Ferreira ter tido o pico mais cedo que Felgueiras, o investigador defendeu que se um concelho tem um pico de casos primeiro que os seus vizinhos, esse pico é maior nesse concelho do que nos concelhos limítrofes, onde o pico é atingido mais tarde. 

"O Rt está abaixo de 1" – Baltazar Nunes, INSA
Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge, analisou a evolução da Rt nos últimos meses e recordou que houve um primeiro aumento da transmissão no mês de agosto e uma segunda fase mais "preocupante" que culminou num Rt acima de 1,2 no mês de outubro. O indicador a nível nacional está agora abaixo de 1, indicou, tendo o pico acontecido a 16 de novembro com uma média de mais de 5 mil casos, cinco vezes mais do que na primeira onda. O Rt é de 0,99 a nível nacional e 0,96 na região Norte. Em Lisboa é ainda de 1, revelou. Nas regiões Centro, Alentejo e Algarve mantém-se acima de 1, ainda com algum crescimento de casos. Nos Açores, que durante muito tempo tiveram incidência baixa, ocorreu um período de crescimento no final de outubro que parece agora estar a estabilizar, disse Baltazar Nunes. Na Madeira, a incidência é estável com Rt próximo de 1.

Baltazar Nunes diz que é possível manter o Rt abaixo de 1 com o atual nível de mobilidade (mas menos contactos)
"As medidas tiveram efeito e houve uma redução na área do retalho e lazer", disse Baltazar Nunes. A equipa calculou que para o Rt ficar abaixo de 1 com este nível de mobilidade, nos indivíduos que mantêm mobilidade tem de haver uma redução dos contactos efetivos (dos contactos em máscara e a uma distância inferior a 1 metro).

Esperados total de 6.000-6.500 óbitos por covid-19 este ano
O epidemiologista Manuel Carmo Gomes apresentou novas projeções da equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Depois do pico de casos, que situam entre 18 e 21 novembro, com menos casos do que era inicialmente esperado, o investigador apontou para os próximos dias o pico de internamentos em UCI, onde não se espera que se ultrapasse as 530 camas ocupadas por doentes covid. A estimativa é que o pico de mortalidade esteja também a ser atingindo, projetando, no entanto, que até ao final do ano possam verificar-se um total de 6.000 a 6.500 mortes associadas à epidemia. São revisões em baixo face ao que eram as últimas projeções da FCUL, que chegaram a apontar para pico na ordem dos 7 mil casos diários e 8 mil mortes este ano.

Chegar ao Natal com 2500/3000 casos por dia
O mesmo epecialista apontou projeções para as próximas semanas, sublinhando que tudo dependerá da taxa de diminuição diária dos casos, que nos últimos dias foi de 2,7% (ainda que no início da semana haja sempre menos casos). Manuel Carmo Gomes sublinhou que com uma redução diária de 2% nos casos, reduz-se a incidência para metade dos casos que houve no pico em 28 dias. Se o ritmo fosse de -3,5% casos por dia, essa meta poderia ser atingida em 20 dias. Assim, no Natal, o investigador estima que se for conseguida uma redução diária de 2,5% no total de casos, poderá haver 2.000 casos por dia nessa altura. Se a redução for de 2%, mais provável, o número de casos rondará os 2.500/3.000. Carmo Gomes deu o exemplo de outros países que conseguiram uma redução mais acentuada, como a Áustria (-3,3% casos por dia) mas com medidas de confinamento idênticas às de março. E sublinhou que se as medidas forem levantadas, pode haver uma subida de casos como se verificou na Holanda e República Checa. Um alerta que já tinha deixado na última reunião quando advertiu para o risco de novas vagas. "Logo que aliviamos a mola, a mola volta a subir. E provavelmente vai ser assim até conseguirmos vacinar uma percentagem significativa da população", disse.

"Não tenham medo dos efeitos adversos da vacina"
João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia de Lisboa, fez uma apresentação dirigida ao público em casa, pedindo para que não haja medo de efeitos adversos que possam surgir nas diferentes vacinas ou mesmo de efeitos da imunidade a longo prazo no corpo. João Gonçalves explicou o que está em causa na vacinação. Para que haja imunidade, é necessário que se crie memória. Com uma vacina, essa memória é gerada com a criação de anticorpos antivirais de elevada potência para impedir a entrada do vírus nas células. No caso das pessoas infetadas, têm mais imunidade as que tiveram sintomas mais fortes, explicou. As pessoas com mais de 50 anos também têm menos imunidade, visto que os seus sistemas imunitários já estão mais debilitados, acrescentou. "Qual a duração da imunidade da vacina? No melhor cenário, vários anos, mas depende sempre de pessoa para pessoa. Apesar de pessoas diferentes reagirem de forma diferente à vacina, é necessário que a vacine crie uma elevada imunidade de grupo para toda a gente", sublinhou João Gonçalves. Sobre as reações adversas já documentadas, Gonçalves salientou que têm sido "boas" e incluem dores de cabeça, inchaço e febre. "Ter estas reações significa que o sistema imunitário está a ser educado contra a vacina".

Vacinas vão ter autorização condicional
Fátima Ventura, do Infarmed, explicou o processo que envolve a autorização de vacinas a nível europeu, que vão ter autorizações de introdução no mercado condicionais. "Em que é diferente do uso de emergência que está a ser seguido nos EUA e no Reino Unido? É menos exigente na evidência e não é uma autorização de introdução no mercado, podendo ser interrompida a qualquer momento".

Um milhão de portugueses já terá tido contacto com o vírus
Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, sublinhou que o país começa agora a descer a encosta no número de casos e apresentou novas estimativas para quantos portugueses já terão estado infetados com o vírus. "Podemos imaginar que na população portuguesa já um milhão de pessoas tiveram contacto com o vírus, com uma incerteza entre 680 mil e 1 milhão e 800 mil", disse.

15% a 20% pode já ter anticorpos antes da chegada da vacina
"Se olharmos para este conjunto de informação e sabendo da enorme heterogeneidade, poderemos pensar que agora que vamos fazer chegar uma vacina à população portuguesa, entre 15% e 20% já terá evidência de contacto com o vírus. Estará tradicionalmente imunizada, poderá não estar eficazmente protegida", explicou Henrique Barros, sublinhando a incerteza que ainda existe e o que se sabe sobre estes anticorpos, que decrescem ao longo do tempo. 

Como perceber o risco: no Natal, dois em cada mil portugueses poderão transmitir o vírus
Para ajudar a perceber o risco, Henrique Barros fez a seguinte análise: pela época do Natal, se tirássemos um português ao acaso, dois em cada mil, sabendo ou não, estariam capazes de infetar outras pessoas. "Quando nos sentamos à mesa, na maior parte das vezes não saberemos". Com base num estudo de 306 famílias seguidas no Porto com casos de covid-19, num total de 697 positivos, com pelo menos um infetado em cada família, a equipa do ISPUP estudou o risco familiar: entrando um caso de covid-19 numa família, a probabilidade de infetar um familiar é de 23%. Em contactos sociais mais esporádicos, em 100 grupos de cinco pessoas, em mais de 75% não haverá ninguém infetado, nos outros haverá um a quatro.

Quantas pessoas teremos de vacinar para estar seguros de que controlamos a infeção?
Henrique Barros responde assim: "Se o risco inicial da infeção for cada infetado contagiar três e a vacina tiver eficácia de 100%, temos de vacinar 67%. Com eficácia de 90%, 74%. Se for 60%, teremos de ter vacinação para 95% das pessoas", revelou. Mantendo medidas não farmacológicas que fizeram baixar o Rt mesmo que fosse de 2, só seria preciso ter 37% de pessoas vacinadas com 60% de eficácia. Numa situação atual, com 80% da população suscetível, mantendo as medidas chega vacinar 24% das pessoas. Retirando medidas, seria necessário vacinar 83%, isto se tivermos uma vacina com eficácia de 70%. "Mesmo com 20% da população portuguesa imune, se a vacina só tiver eficácia de 50%, na ausência de medidas farmacológicas, nem que vacinemos a população toda conseguiremos resolver o problema".

O caso dos lares: cada infetado num lar gera 1,82
Henrique Barros explicou que calcularam o Rt nos lares em 1,82, ou seja, cada caso num lar gera 1,82. Com uma eficácia vacinal de 100%, chegava vacinar metade da população do lar para garantir o controlo da infeção sem outras medidas, exemplifica. "Ainda temos de balancear os potenciais efeitos indesejáveis em particular nestas populações", advertiu.

28% disponível para tomar a vacina assim que estiver pronta; 62% prefere esperar
Um estudo feito pela Escola Nacional de Saúde Pública, com base na opinião de 1.691 portugueses, concluiu que, no último mês 28%, estavam disponíveis para tomar vacina logo que estiver pronta, 62% prefere esperar algum/muito tempo e 10% não está disponível. Carla Nunes apresentou os resultados e a investigação conduzida. As mulheres têm maior probabilidade de dizer que preferem esperar, assim como os mais jovens e pessoas que consideram que as medidas tomadas pelo Governo são pouco ou nada adequadas. Pessoas que não tomam vacina da gripe também têm maior probabilidade de responder que preferem esperar. Já pessoas com outras doenças tendem a mostrar-se mais disponível para tomar a vacina.