Covid-19. O que já se sabe sobre a vacina

O plano de vacinação contra a covid-19 foi apresentado ontem pelo Governo. Primeiro grupo a ser vacinado abrange 950 mil pessoas.

Mesmo que o caminho ainda seja longo, há uma luz ao fundo do túnel que não havia há uma semana nem há seis meses. A ideia foi deixada ontem por António Costa no final da apresentação do plano nacional de vacinação para a covid-19. Já são conhecidos os grupos prioritários para a vacina e o ponto de situação sobre a imunização foi feito em dois momentos esta quinta-feira, de manhã na reunião de peritos no Infarmed e na sessão de apresentação do plano. Reunimos perguntas e respostas.

Que vacinas encomendou portugal?

Há acordos de compra a nível europeu de seis vacinas diferentes. Trata-se de vacinas de nova geração, de três tipos diferentes. Umas funcionam através da introdução de uma sequência de RNA do novo coronavírus no ser humano, para gerar uma resposta imunitária. É o caso das vacinas da Moderna, da CureVac e da BioNTech/Pfizer. Como a molécula de RNA é extremamente instável, são necessárias temperaturas muito baixas para que possa ser conservada. Depois existem as vacinas proteicas recombinadas. Neste caso é introduzida uma proteína no ser humano que dá origem a uma resposta imunitária. Daquelas que vão ser adquiridas pela União Europeia, apenas a da Sanofi funciona com esta tecnologia. No entanto, os estudos de desenvolvimento ainda estão numa fase precoce. Por último existem as vacinas de vetor viral não replicativo. Estas funcionam de uma maneira um pouco diferente: é introduzido no ser humano um vírus geneticamente modificado, de modo a não infetar as células. Aquelas que estão mais avançadas e já têm data para a Agência Europeia do Medicamento emitir o parecer de autorização condicional são a da BioNTech/Pfizer e a da Moderna. Para a primeira é esperada uma decisão a 29 de dezembro, e para a segunda dia 12 de janeiro.

Para que servem as vacinas?

A imunidade é conseguida através do desenvolvimento de anticorpos que impedem o vírus de entrar nas células. O objetivo da vacina é criar essa imunidade, que de outra forma é conseguida com a infeção natural. De quanto tempo será a resposta, não se sabe. No melhor cenário, a duração imunológica seria de vários anos, disse na reunião do Infarmed João Gonçalves, da Faculdade de Farmácia.

A vacina funciona em todas as pessoas de forma igual?

Não. Existem pessoas que, devido ao seu sistema imunológico, estão menos propensas a que a vacina tenha a sua eficácia no nível máximo. A faixa etária e as comorbilidades afetam também a maneira como o corpo reage ao vírus e à vacina. Sabe-se que quem foi infetado pelo novo coronavírus e apresentou sintomas mais graves tem uma maior proteção do que aqueles que estiveram assintomáticos ou com sintomas ligeiros. As pessoas com mais de 50 anos apresentam também uma menor capacidade de responder às vacinas, devido às especificidades do seu sistema imunitário. No caso das novas vacinas da covid-19, a eficácia em cada grupo etário e eventuais limitações etárias poderão ser definidas nos resumos de características de medicamentos de cada uma. Para já, a vacina da Pfizer foi aprovada pela agência britânica do medicamento num procedimento de emergência. Não houve limitações para idosos, mas não foi recomendada a grávidas e crianças até aos 18 anos. Neste momento é esta a indicação disponível que afasta, numa primeira fase, a vacinação destes grupos.

É de esperar reações adversas?

Sim. Porém, as reações adversas observadas até agora são boas, disse João Gonçalves. As mais comuns foram dores de cabeça, inchaço e febre, como noutras vacinas. São sinais de que o sistema imunitário está a reagir à vacina, disse o investigador, o processo necessário para se construir imunidade, apelando a que não haja medo dos efeitos adversos.

Quantas vacinas vêm para Portugal?

O país tem reservadas 22,8 milhões de doses: 6,9 milhões são da AstraZeneca, 4,5 milhões da Janssen, 4,5 milhões da BioNTech/Pfizer (que deverá ser a primeira aprovada) e 1,8 milhões da Moderna (a segunda). O número de doses da vacina da Sanofi-GSK e da CureVac ainda não foi definido.

Quando começa a vacinação?

No início de janeiro, se a vacina da Pfizer vier a ser aprovada no dia 29 deste mês. No primeiro trimestre está prevista a chegada ao país de 4 milhões de doses, que darão para vacinar cerca de 2 milhões de portugueses (duas doses cada). No segundo trimestre prevê-se a chegada de 7 milhões e, no terceiro trimestre, de mais 7,5 milhões.

Quem vai ser vacinado primeiro? 

Numa primeira fase, a task-force prevê abranger 950 mil portugueses: profissionais e residentes em lares e profissionais e utentes internados em unidades de cuidados continuados (250 mil pessoas), profissionais de saúde e das forças armadas, forças de segurança e serviços críticos (300 mil pessoas) e pessoas com mais de 50 anos que tenham pelo menos uma das seguintes doenças: insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal grave e doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) ou doença respiratória crónica com necessidade de ventilação ou oxigénio de forma continuada. Ao todo, este universo de doentes graves abrange 400 mil portugueses. No melhor cenário, dependendo da entrega das vacinas, estas 950 mil pessoas são vacinadas entre janeiro e fevereiro, no pior entre janeiro e abril, disse Francisco Ramos.

Quem recebe a seguir? 

Na segunda fase, que começará quando acabar a primeira, está prevista a vacinação de idosos com 65 anos ou mais – com ou sem doenças – e pessoas entre os 50 e 64 anos que tenham as seguintes patologias: diabetes, cancro, doença renal crónica, insuficiência hepática, obesidade, hipertensão arterial e outras doenças que possam vir a ser definidas. Ao todo estima-se que nesta segunda fase sejam abrangidos 1,8 milhões de idosos e 900 mil doentes crónicos entre 64 e 50 anos. No final desta segunda fase poderão assim ficar vacinados mais de 4 milhões de portugueses.

E o resto da população?

Previsivelmente, só começa a tomar a vacina no segundo semestre de 2021.

Como foram definidos os grupos prioritários?

Francisco Ramos indicou que foram usados dados sobre a gravidade e letalidade da covid-19 nos diferentes grupos da população. Mais de 97% dos óbitos por covid-19 ocorrem em pessoas com 50 anos e 91% das pessoas internadas em Portugal tinham mais de 50 anos, 41% mais de 80. As doenças associadas a maior risco de internamento em cuidados intensivos são as do primeiro grupo a ser vacinado. Hipertensão e diabetes e doença oncológica e hepática também são frequentemente identificadas em doentes internados, lê-se no plano, “contudo são também mais prevalentes em pessoas com idade mais avançada, pelo que nem todas foram associadas a risco de hospitalização e morte”.

Onde  e como vai ser a vacinação?

Numa primeira fase, nos postos de vacinação no SNS, ao todo 1200 nos centros de saúde, unidades de saúde familiar e extensões de saúde em localidades mais pequenas. No caso dos doentes crónicos serão convocados pelos centros de saúde, disse Francisco Ramos. Ou seja, os médicos de família terão de ver nas suas listas que pessoas entram em cada grupo. No momento da primeira dose será logo marcada a segunda e reservada para a pessoa vacinada, num processo em que não poderá haver falhas, disse o responsável. Nos lares e cuidados continuados, a vacinação será feita pelas equipas de enfermagem locais ou por equipas dos centros de saúde. Nos profissionais de saúde e forças de segurança, caberá à saúde operacional dos diferentes serviços organizar a vacinação. Vai haver linhas telefónicas próprias para agilizar as marcações, disse Francisco Ramos, que adiantou que será feito um registo de vacinação.

A vacina é obrigatória?

Não, será facultativa e gratuita. Mas a imunidade de grupo depende da adesão à vacinação e será lançada uma campanha de sensibilização. Numa segunda fase, a distribuição de vacinas poderá ser alargada a outros pontos. As farmácias já se mostraram disponíveis, mas a task-force não fechou essa parte do plano, que será revisto de 15 em 15 dias.

Como vai ser a logística?

Está prevista a criação de um sistema de informação e gestão em tempo real para saber onde está cada dose que entrou no país e quem a tomou. As vacinas serão guardadas num local central, que será mantido em sigilo por razões de segurança, e distribuídas às diferentes unidades. A monitorização vai estar centralizada num Centro de Comando, Controlo e Coordenação no Ministério da Saúde, que integrará também os serviços associados ao Ministério da Defesa Nacional e ao Ministério da Administração Interna.

Por onde se começa?

Na primeira semana com vacinas em Portugal não se prevê que haja logo doses suficientes para os 950 mil portugueses da primeira fase do plano. Os primeiros locais a receber as vacinas ainda não estão fechados mas, segundo o i apurou, poderão ser tanto lares como serviços de saúde – aspetos que deverão ficar definidos nas próximas semanas.