O desespero do PCP e o erro de António Costa

É mesmo humilhante aparecer atrás de um partido sem história nenhuma, que surgiu há uma dúzia de meses, que praticamente se reduz a um homem e a que os comunistas chamam ‘fascista’ – o Chega.

A teimosia em não adiar o Congresso, em realizá-lo contra tudo e contra todos, em não transigir com ninguém, mostrou que o Partido Comunista está desesperado.

E tem boas razões para isso.

Dos partidos existentes, o PCP é, de muito longe, o mais antigo.

Sofreu horrores na clandestinidade.

Sendo a principal vítima da PIDE, os seus militantes eram os que sofriam as torturas mais desumanas e a própria vida nas casas clandestinas era de uma dureza psicológica terrível: havia ‘companheiras’ que não iam à rua meses a fio.

Li recentemente dezenas e dezenas de testemunhos sobre a vida na clandestinidade e sobre as torturas da PIDE, e tenho frescos esses relatos.

Depois do 25 de Abril, o PCP dominou em grande parte o poder político.

Entre o golpe militar e as primeiras eleições – em que se constatou que o partido não era afinal tão forte quanto se pensava –, os comunistas fizeram valer a sua lei com a cumplicidade ativa de muitos militares do MFA.

Ora, um partido com esta história, que se sacrificou desta maneira, que teve esse poder todo, aparecer hoje com 5% dos votos nas sondagens é deveras dececionante.

É mesmo humilhante aparecer atrás de um partido sem história nenhuma, que surgiu há uma dúzia de meses, que praticamente se reduz a um homem e a que os comunistas chamam ‘fascista’ – o Chega.

Como foi isto possível?

Acresce que o PCP perdeu há muito o seu Sol: a União Soviética.

O ‘Sol do mundo’ extinguiu-se: o PCP ficou entregue a si próprio, sem apoios nem referências internacionais, à imagem do que o seu arqui-inimigo dizia de Portugal: «Orgulhosamente só».

Há um outro Sol a nascente, a China, mas os comunistas nunca tiveram com ele grande afinidade; para lá de que a China se converteu ao capitalismo sob a formula ‘um país, dois sistemas’.

Depois há outra luzita para essas bandas, a Coreia do Norte, mas que assume aspetos tão caricaturais, quase grotescos, que os comunistas têm vergonha de o citar.

Não falo da Venezuela, pois a realidade do que lá se passa mete dó.

É neste ambiente de solidão e desespero que o PCP realizou o seu Congresso.

E eu compreendo-o perfeitamente.

O PCP não pode dar sinais de fraqueza, tem de manter acesa a chama dos militantes, não pode deixar que ela esmoreça.

Só que, ao não desistir do Congresso, o Partido Comunista se colocou à margem dos outros partidos e sobretudo dos portugueses.

Os portugueses estavam proibidos de sair de casa, de circular entre concelhos, e os comunistas fizeram-no.

De certo modo, atuaram como se estivessem ainda no tempo da clandestinidade: temos todos contra nós, mas não desistimos e vamos em frente.

Sucede que, se numa ditadura isso é visto como um ato de resistência e heroísmo, numa democracia é olhado como um sinal de arrogância e desprezo pelo comum dos cidadãos.

E aqui é que o primeiro-ministro poderia ter agido de forma um pouco diferente.

António Costa veio a público dizer que «uma lei de 1986» (leia-se, do tempo de Cavaco Silva) não permite que as atividades políticas sejam canceladas.

Mas as leis não se mudam, são eternas?

E o Estado de emergência não serve exatamente para suspender as leis em vigor e restringir as liberdades?

E sendo os políticos que fazem as leis, será aceitável que estabeleçam restrições para os outros e se coloquem a si próprios acima da lei, em situação de exceção?

Será isto admissível?

Assim, António Costa fez mal em vir a público explicar que a lei impossibilitava a proibição do Congresso do PCP.

É que, com essa intervenção, chamou a atenção para um privilégio imoral da classe política.

No fundo, disse: essa é uma prerrogativa dos partidos políticos que não pode ser mudada.

Aí esteve o erro da mensagem. António Costa deveria ter posto a questão doutro modo.

Recorde-se que, quando foi legislada a proibição de circulação entre concelhos, ainda não estava em vigor o estado de emergência.

Mas o Governo, mesmo assim, decretou-o – o que até levou Marcelo Rebelo de Sousa a explicar que «não se tratava de uma proibição mas de uma recomendação», pois a lei não permitia essa restrição das liberdades.

Ora, neste caso, Costa poderia ter intervindo exatamente no mesmo sentido.

E nem precisava de falar no PCP.

Poderia ter dito: a lei não permite a proibição de atividades políticas, mas o Governo ‘recomenda’ que os partidos as não realizem neste período em que a liberdade de circulação dos cidadãos está suspensa.

Se fizesse isto, ter-se-ia demarcado da teimosia dos comunistas.                                             

Assim, surgiu como cúmplice dela. São estes privilégios que vão cavando o fosso entre as pessoas e os políticos.                               

Quando os políticos fazem leis especiais para si próprios e se protegem uns aos outros, é natural que as pessoas se cansem e comecem a não acreditar em ninguém. Eu percebo o desespero do PCP. Mas todo este episódio do Congresso foi péssimo para a democracia. Não prega ela, exatamente, a igualdade de todos perante a lei?